Oi pessoal, tudo bem? Sejam bem vindos os 659 novos leitores desde a quarta passada.

🤗 Twitter: a FTX é uma história de como a megalomania, falta de ética e controles com uma nova tecnologia levou ao desastre.

👍🏻 Nutella:

  • Em 2 anos a FTX se tornou a segunda maior empresa de crypto. Em dez dias declarou  falência.
  • Um fundador criminoso, somado a falta de regulação, investidores descuidados e lenientes levou a maior crise da história do setor.
  • O setor vai passar por uma transformação. Será menor, mas com mais qualidade.
  • O bsb vai continuar apoiando a tecnologia blockchain.

👊🏻 Raiz: 

2022 não foi fácil para crypto. Alguns podem até pensar que foi um péssimo momento para lançar uma newsletter que dedica boa parte dos seus artigos ao tema. Recapitulando:

  • Desvalorização de c.70%
  • Implosão da Tera, destruindo US$58 bi em ativos
  • Os “crypto bancos” Celsius, Voyager e BlockFi ficaram insolventes, perdendo milhões em depósitos
  • Three Arrows Capital, referencia na indústria, quebrou
  • O volume de NFTs caiu mais de 97% desde janeiro

No entanto, nada poderia ter nos preparado para a FTX. Algo a mais se quebrou nesse dia… A semana passada foi a mais difícil para crypto em toda sua história e é sobre isso que vamos falar hoje.

Quem é SBF e a FTX?

Sam Bankman-Fried (“SBF”) nasceu em 1992 e cresceu em volta do campus de Stanford, em Palo Alto, onde seus pais são professores de direito (ironias da vida). Ele se formou no MIT em 2014 e foi trabalhar na Jane Street, renomada empresa de trading. Em 2017 ele fundou a Alameda Research, em San Francisco, com o objetivo de fazer trading quantitativo de crypto. A Alameda teve muito sucesso explorando o Kimchi Premium, que é a diferença de preço entre o preço de bitcoin na Coréia do Sul vs resto do mundo. A Alameda comprava BTC nos EUA, mandava para uma carteira na Coréia e vendia, fazendo uma arbitragem que dava retornos de até 20% por trade.

Usando os lucros da Alameda, SBF lançou a FTX em 2019. A visão era criar um super app financeiro, com crypto+ações+serviços financeiros+pagamentos. Eu já usei o app e posso garantir que era um excelente produto. Parte do apelo da FTX era que SBF veio de mercado e construiu produtos financeiros mais sofisticados e com boa gestão de risco.

A FTX teve receita de US$ 10 milhões em 2019 e US$1 bi em 2021. De quase zero, passou a ter 10% do mercado global de crypto trade. Aos 29 anos, em outubro/2021 SBF foi capa Forbes, listando sua fortuna em US$ 26.5 bi.

A ambição aumentou na mesma escala: a FTX queria ter US$30 bi em receita nos próximos anos e ser uma das maiores empresas de serviços financeiro do mundo. Megalomania? Sim, mas os investidores de tecnologia estavam não apenas atrás disso, mas estimulando esse tipo de pensamento.

Durante sua história a FTX havia captado US$2.2 bi e seu último valuation foi de US$32 bi. Diferente da Theranos, outro caso de startup bilionária fraudulenta, aqui a lista de investidores conta com alguns dos mais renomados fundos de tecnologia, incluindo: Sequoia, NEA, Lightspeed, Insight, Temasek, SoftBank Vision Fund 1 e 2, Thoma Bravo, Coinbase, Ribbit, Blackstone, Multicoin, Paradigm e Altimeter.

No caso da Sequoia, algo muito curioso foi que a empresa havia colocado no seu site um relato de que durante a reunião por Zoom com SBF os sócios mandavam mensagens uns aos outros muito animados com a oportunidade e no fim ficaram impressionados que SBF fez a ligação enquanto estava jogando videogame. Seria isso um sinal de alerta? Que nada, era apenas alerta que o SBF era O MÁXIMO…

Da minha experiência investindo em crypto, posso resumir como a FTX era percebida por muitos investidores. Eles falavam algo assim:

Obs: a falta de diligencia dos investidores de tecnologia nos últimos anos será tema de um artigo nas próximas semanas.

Com apoio total dos investidores que deram capital sem muita governança, a FTX adotou uma postura agressiva:

  • Lançou um fundo de corporate venture capital de US$ 2 bi que em 18 meses investiu em 180 empresas
  • Anunciou no Superbowl, trouxe Tom Brady, Gisele e Steph Curry como garotos propaganda
  • Durante a crise dos crypto bancos em Maio desse ano, a FTX comprou a BlockFi e a Voyager
  • SBF passou a ser o segundo maior doador para o partido Democrata e o porta voz não oficial da industria blockchain em Washington
  • Criou um crypto ativo proprio, o FTT e ajudou a Solana a desafiar o Ethereum como plataforma de contratos inteligentes
  • Patrocinou o estádio do Miami Heat

O que aconteceu?

Atrás desse rápido crescimento, tinha um segredo que SBF escondeu de seus funcionários e investidores: ele havia pego recursos dos clientes para financiar seus projetos. Isso era proibido de acordo com o contrato da própria FTX. Ela mentiu aos clientes que confiaram seu dinheiro. Isso se chama fraude. Qual o tamanho desse buraco? c. US$10 bi.

Parte desses recursos foram usados para cobrir as perdas da Alameda, que era o principal market maker da FTX. Market makers são importantes pois liquidez é chave para qualquer corretora dar um bom preço sobre os ativos. Uma análise da Coinmetrics mostrou que a FTX resgatou a Alameda em Setembro/2022.

Para esconder a transferência de fundos, um desenvolvedor criou uma forma do SBF mudar o software de contabilidade da FTX. Coisa de profissional…

O segundo problema da FTX era o próprio crypto ativo que ela havia criado, a FTT, que funcionava como uma moeda própria. Clientes podiam usar a FTT dentro da corretora e recebiam descontos no uso da plataforma. O que dava suporte ao valor da FTT era o fluxo de % dos lucros da FTX que iam para detentores do FTT. Parte do resgate da Alameda se deu através dos tokens FTT. Usando-os como colateral, a Alameda se alavancou, o que era arriscado pois o FTT tem volatilidade altíssima com risco de chamada de margem se o FTT caísse muito.

No dia 2/11 a Coindesk solta a informação do balanço da Alameda e fica claro a fragilidade das suas finanças. CZ da Binance anuncia que vai começar a vender sua posição em FTT que recebeu como parte do pagamento pela recompra do investimento na FTX. O preço do FTT começa a cair, consumidores ficam receosos sobre a saúde financeira da FTX e começa uma “corrida ao banco”.

E é isso mesmo que a FTX era. Ao pegar recursos dos seus clientes, a FTX atuava como um banco e não uma corretora. Bancos são regulados por uma razão e é um dos poucos setores em que globalmente existe regras que todos seguem, como o indice de Basiléia. A FTX nunca poderia ter feito isso!

O time de finanças da empresa ainda via uma situação saudável, com US$ 10 bi em depósitos e um colchão extra de US$1.5 bi. A verdade é que o software estava fraudado e a empresa quase sem recursos. A FTX então parou de honrar os resgates de seus clientes.

SBF pede ajuda aos seus investidores, que completamente surpresos, decidem não aportar mais recursos na empresa por medo. SBF liga para CZ e o anuncio da transação entre as empresas é feito. Um dia depois a Binance abandona o acordo, pois o buraco da FTX era muito grande. A FTX então anuncia que o conglomerado, composto por mais de 130 entidades jurídicas estava entrando em concordata nos EUA (chamada de “Chapter 11”). SBF deixa o cargo de CEO. A Alameda fecha suas operações. Reguladores iniciam investigações em múltiplas jurisdições.

Quais as consequencias?

Desastrosas. O setor retrocedeu anos:

  • Consumidores: c.1 milhão de pessoas perdeu c. US$ 10 bi. Vai demorar anos para recuperar a confiança do público em geral.
  • Startups: muitas empresas crypto tinham uma parte relevante do seu caixa na FTX e vão ter que fechar suas operações, perdendo dinheiro de investidores.
  • Venture Capital: muitos fundos perderam dinheiro com a FTX, além das startups citadas acima. Veremos fundos implodindo, sócios que tocam Crypto/Web3 sendo demitidos…quem vai investir no setor?
  • Hedge Funds: vários fundos operavam quase que exclusivamente com a FTX. O fundo Ikigai perdeu 100% dos seus recursos. A famosa Multicoin Capital esta com mais de 10% dos recursos presos na FTX.
  • Empresas: várias parcerias entre empresas tradicionais e crypto foram paradas ou canceladas.
  • Reguladores: completamente em choque. Isso não é mais assunto de regulador, virou tema politico e podemos esperar fortes leis e regulações de agora em diante.
  • Risco de contágio: ainda não temos uma visão completa de quem foi afetado. Podemos ver mais noticias ruins

O que aprendemos?

Uma verdadei dura de aceitar é que hoje a indústria Crypto/Web3 se tornou o melhor lugar para um tipo de pessoa que quer ter ganhos rápidos, malandra, que acha que para ele vencer, o outro precisa perder. Existem mais pessoas que querem extrair valor do que construir. Por fim, existem muitos atores desonestos. Eu achava que a razão entre pessoas que querem construir vs aproveitadores era de 80/20, hoje acho que é 20/80. Isso é muito ruim.

Um mento disse que eu deveria usar a palavra blockchain e não crypto aqui no bsb. O motivo é que crypto traz uma conotação negativa. Sempre rebati isso. Hoje concordo. O setor tem uma reputação ruim e isso muda a forma como devemos pensar nele.

Uma indústria insular, que tem grandes bolsões que pensam como um culto, não vai conseguir crescer o bolo e dividi-lo. Vai ser destinada a brigar e ficar no rouba monte. Ela precisa e vai mudar.

Crypto é o cassino que aceita qualquer pessoa e numa sociedade em que <5% da população pode investir em ativos alternativos ou mais complexos, se torna o lugar preferido da especulação. Ao dar tokens para sua comunidade, os empreendedores esperam alinhar intereses. O efeito perverso disso é criar uma mentalidade enviesada, torcedores ao invés de investidores.

Para piorar, o fato que crypto atrai tanta atenção da mídia faz com que seus erros sejam exacerbados. Se alguém perde dinheiro, é uma boa história, se alguém ganha, também.

Para onde vamos?

O que podemos esperar:

1) Muito mais regulação, o que deve ser ruim no curto prazo, mas muito bom no longo. Será estressante pois discutir regulação é difícil. Já fiz isso uma vez com o tema de Endowments e foi desgastante.

2) Queda das taxas de crescimento e adoção de produtos com tecnologia blockchain.

3) Teremos menos investidores, mas melhores, com processos mais sólidos e menos abertos a exceções.

4) Menos protocolos, menor valor de mercado, menos trading, menos “tudo”.

E o lado bom?

Vamos separar o pó da poeira. Quem vai ficar são os interessados na tecnologia. Aqueles que vem apenas para especulação perderam tanto dinheiro em 2022 que devem se afastar de crypto.

Vai ficar quem quer construir. E isso é ótimo! Temos um gap enorme entre onde estamos e trazer bilhões de pessoas para blockchain. Como fazer isso? Com bons agentes trazendo soluções superiores a problemas do mundo real.

Eu continuo acreditando na tecnologia blockchain e no ecossistema crypto/web3. Apesar de muitos problemas, tem um potencial verdadeiro de melhorar o mundo. Contratos inteligentes, dinheiro sem necessidade do Estado, propriedades digitais são conceitos radicais, revolucionários e ainda estamos começando a entende-las e aplica-las. Quando vejo a qualidade das pessoas em crypto, fico de queixo caído. Tem muita gente boa fazendo coisas boas.

E o bsb?

Trato períodos de crise como se fossem projetos. As oportunidades só podem ser capturadas com uma atitude estilo mestre Yoda: Não tente, faça! Comprometimento é fundamental. Isso implica trazer mais estrutura pro dia e estabelecer metas e objetivos bem detalhados.

1) Newsletter: mais do que nunca, análise bem fundamentada é importante. O bsb continuará dizendo a verdade, sem vieses. O peso da responsabilidade é ainda maior com o crescimento exponencial de leitores. O que ficou faltando foi mais conteúdo educacional de blockchain. Vou lançar em paralelo com os textos tradicionais uma série que ensine habilidades importantes como por exemplo fazer a própria custodia dos seus crypto ativos. O bsb não da “call de token barato pra ficar rico”, mas sim ajuda as pessoas a aprenderem. No lado de patrocínios, que devem começar em breve, apenas serão anunciadas empresas nas quais confio e em que eu sou um usuário ou gosto do produto.

2) Investimentos:

Crypto ativos e Empresas públicas: tem muita oportunidade dado que os preços colapsaram, mas antes de iniciar qualquer movimento, preciso recalibrar os modelos financeiros dos protocolos e empresas, levando em consideração os pontos acima. Tive sorte de entrar em 2022 com muito mais caixa que o normal e manter assim.

Startups: acredito que abre-se todo um novo mundo de ferramentas e serviços que ajudem crypto a ser mais amigável a reguladores e compliance. Estou animado com algumas ideias que estou investindo e com menos capital no setor, virá mais racionalidade.

Em ambos os casos, seletividade é a palavra chave.

3) Pessoas: durante este ano me aproximei de pessoas alinhadas com meus valores. Em períodos como esse vejo que foi uma decisão acertada e vou continuar esse processo.

4) Regulação: após o novo congresso tomar posse, o bsb vai divulgar conselhos e recomendações de como podemos construir no Brasil um ecossistema blockchaim que ajude a gerar riqueza para nossa sociedade.

Estamos ainda no começo!

Grande abraço, Edu

DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.