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Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber do artigo de hoje:


  • A Fusão Nuclear tem o potencial de ser a tecnologia de maior impacto da história da humanidade, transformando a forma como vivemos

  • A obtenção de energia limpa em escala é provavelmente o maior desafio da história da humanidade

  • Fusão nuclear produz mais energia que fissão e é superior em quase tudo. O único problema é que é muito mais difícil de se executar na Terra

  • A entrada do setor privado em fusão pode indicar que a tecnologia está perto de chegar à viabilidade técnica e econômica


A Importância da Energia

Energia é a pedra fundamental da sociedade. Se conseguirmos produzir mais, progredimos como espécie. Se o oposto acontecer, estagnamos. É o fator mais importante para o sucesso de uma civilização. Utilizamos energia para alimentação, construção, desenvolvimento tecnológico e praticamente qualquer atividade. Por consequência, é motivo de conflitos e influência na política de países.

Existem diversos estudos que mostram uma relação de longo prazo, direta, causal e bidirecional entre consumo de energia e variação do PIB. Crescimento econômico leva a mais consumo de energia e mais consumo de energia leva a crescimento. Isso é verdade tanto para países desenvolvidos quanto emergentes. Com mais energia conseguimos construir mais, trazendo abundância sem que se acelere a desigualdade.

Qual o problema?

Como sabemos, as principais fontes de energia que utilizamos são ruins para o meio ambiente. O CO2, metano e outros gases que emitimos trazem um risco existencial para o planeta. 73% da emissão de gases causadores do efeito estufa são derivados da produção de energia.

Fonte: Our World In Data

 

Mesmo que não fizessem mal ao meio ambiente, combustíveis fósseis eventualmente vão acabar e antes disso seu preço ficará impraticável para diversas atividades econômicas, mesmo que continuemos a encontrar formas mais inteligentes de extraí-los.

Adicionalmente, governos do mundo todo estão trabalhando, mesmo que de forma menos coordenada e acelerada do que gostaríamos, contra o aquecimento global. Protocolo de Kyoto, Acordos de Paris, a cada cinco anos sai um novo “pacto com nome de cidade chique” prometendo um futuro brilhante. Isso tem efeitos diretos em políticas públicas, taxação e alocação de capital.

O ponto é que existe uma demanda crescente de toda a sociedade por energia renovável. Atualmente as principais são: Hidrelétrica, Eólica, Biocombustível, Solar e Fissão Nuclear. Cada uma delas tem prós e contras, como disponibilidade, variabilidade, ineficiência econômica, produção de lixo e segurança.

Fonte: Our World In Data

 

O desafio diante de nós é enorme. De lado da demanda, se a tendência continuar, o consumo de energia deve aumentar. Do lado da oferta, temos uma matriz energética cujos principais componentes precisam ser substituídos. É o maior desafio da história da humanidade.

Como podemos resolvê-lo?

Um caminho que poderíamos tomar é o de simplesmente utilizarmos menos energia. Crescer mais devagar e consumir menos. Essa é a solução advogada por ativistas como Greta Thunberg, que se recusa a voar por causa da emissão de carbono dos aviões. Em paralelo, tombaríamos a nossa matriz atual para 100% energia limpa.

O problema é que desacelerar o crescimento econômico em escala global de forma coordenada é uma tarefa impossível. Não temos um governo central e mesmo se tivéssemos, as desigualdades de padrão de vida por geografia são tão gritantes que o consenso é tarefa utópica. Em pequenos grupos, por exemplo numa ilha, é possível que de forma temporária a população entre num pacto social de menos consumo de energia. Em escala global isso simplesmente não funciona.

Sendo assim, o segundo caminho que vem ganhando cada vez mais adeptos é o de buscarmos um mundo em que energia limpa seja superabundante.

Ao produzirmos energia limpa em quantidades exorbitantes, poderíamos resolver a maioria dos problemas da humanidade. É aqui que entra a Fusão Nuclear.

Fusão vs Fissão (sessão aula de física)

Existe uma quantidade enorme de energia nos elos que seguram o núcleo de um átomo junto. Quando estes são quebrados, seja porque o átomo foi dividido em dois (fissão) ou porque dois átomos foram fundidos em um (fusão), essa energia é liberada e pode ser utilizada para gerar eletricidade.

Comparação de Fusão vs Fisão

 

A Fissão Nuclear ocorre quando um nêutron bate com um átomo maior, forçando-o a se dividir em dois e liberando nêutrons adicionais numa reação em cadeia. Quando cada átomo é separado, energia é liberada. Em fissões costuma-se utilizar Urânio ou Plutônio, pois são materiais em que a fissão é mais fácil de ser iniciada e controlada. A bomba atômica do Projeto Manhattan era de fissão. Em plantas nucleares, a energia liberada pela fissão aquece água, que vira vapor e roda uma turbina. Todas as plantas de energia nuclear que foram desenvolvidas até hoje são baseadas no processo de fissão nuclear. Isso quer dizer que quando falamos de Fusão, isso não tem qualquer relação com acidentes como Chernobyl ou Fukushima.

A Fusão Nuclear é a reação do Sol e das outras estrelas. Em uma fusão nuclear, dois núcleos se fundem para formar um único núcleo atômico mais pesado. Esse processo libera energia, pois a massa final do núcleo resultante é menor que a massa original dos dois núcleos originais. A massa que foi perdida se torna energia. Quanto de energia? Bom, é aqui que a equação mais famosa do mundo, do grande Albert Einstein, é útil. E=mc2, ou seja, a energia é igual à massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado. Vou poupá-los dos cálculos de quanto energia isso é, mas colocando em escala, a energia que poderia ser liberada por uma garrafa de água de 1 litro via fusão nuclear é equivalente ao consumo total de energia da cidade de Nova Iorque por 5 meses.

Fonte: Department of Energy

 

Vários elementos da tabela periódica podem passar pelo processo de fusão. Pesquisadores descobriram que a fusão de Deutério com um Trítio (DT) libera mais energia que a maioria das outras fusões, produzindo um nêutron e um núcleo de Hélio. Adicionalmente, a fusão DT pode ocorrer em temperaturas menores que às outras, sendo assim mais barata de se produzir.

O objetivo com fissão e fusão é converter massa em energia da forma mais eficiente possível, idealmente em uma reação autossustentável que requer mínima ação externa.

Existem várias razões para ficarmos animados com fusão nuclear:

  1. Libera muito mais energia que fissão

  2. Combustível é abundante e fácil de ser obtido

  3. Não polui, seus resíduos são nulos

  4. É seguro contra acidentes, dado que as condições para que ocorra são muito específicas

  5. É sustentável

Parece simples, qual a pegadinha?

Fusão nuclear é muito mais difícil de se executar na Terra do que fissão. Para que uma fusão ocorra, é preciso de uma quantidade de força extrema entre dois elementos. Isso depende da temperatura e da gravidade do ambiente. No caso do Sol, seu centro está a 15 milhões de graus celsius e com força gravitacional 28x maior que a da superfície da Terra. Esse ambiente é ideal para fusão. Dado que é impossível mudarmos a gravidade da Terra, temos que criar um ambiente com temperatura ainda maior, de pelo menos 100 milhões de graus celsius.

Os desafios de execução são enormes. Listando alguns:

  1. Encontrar uma forma de aquecer a cápsula onde será conduzida a fusão

  2. Encontrar uma fonte de energia eficiente para ser o combustível do aquecimento

  3. Desenhar um reator que consiga resistir ao procedimento

E cada um destes se desmembra em dezenas de outros desafios, por exemplo, de que tipo de materiais uma planta de fusão precisaria ser feita?

Em resumo: a Teoria é simples, mas replicar na prática era até pouco tempo atrás impossível…

Evolução da Tecnologia

Sabendo que posso incomodar os leitores liberais do bsb, a verdade é que certos investimentos apenas o governo consegue fazer. Este pode (apesar de nem sempre fazê-lo) mirar o longo prazo e apostar, ficha após ficha, em iniciativas que têm maior probabilidade de falhar do que dar certo. Foi assim com o Projeto Manhattan, Apollo e com o desenvolvimento da tecnologia de fusão nuclear.

Os primeiros estudos sobre esse processo vieram na sequência do Projeto Manhattan. A Bomba de Hidrogênio, desenvolvida em 1952, é uma fusão nuclear criada por uma fissão. Lembrando que a primeira bomba dessa categoria era 450x mais poderosa que a que foi lançada em Nagasaki.

Teste da Bomba de Hidrogênio

 

Várias iniciativas pelo mundo todo tentavam recriar o processo de fusão. Curiosamente, foi na União Soviética que foi criado o design do reator de maior potencial, que é utilizado até hoje, o Tokamak.

Exemplo de Reator Tokamak

 

A fusão nuclear já havia sido utilizada para uma arma de destruição em massa. Sendo assim, governos do mundo todo começaram a cooperar no desenvolvimento da tecnologia de fusão para usos pacíficos. No caso dos soviéticos, eles deixaram que cientistas tivessem acesso ao design do Tokamak.

O lado ruim da cooperação é a ineficiência e lentidão que esforços multilaterais possuem. No entanto, não podemos negar que a evolução da tecnologia de fusão tem sido muito satisfatória. O produto de densidade com temperatura e energia vem crescendo a uma taxa que rivaliza com a Lei de Moore em termos de ganhos exponenciais.

Onde estamos hoje

Em 5 de Dezembro de 2022, o National Ignition Facility, localizado no Lawrence Livermore Laboratory acabou com qualquer dúvida sobre a viabilidade da fusão criada em laboratório. Um projeto bilionário do Departamento de Energia dos Estados Unidos, o laboratório possui o maior e mais poderoso laser do mundo. Na verdade, não apenas um, mas 192 lasers que ficam um ao lado do outro. A luz destes lasers é acelerada e amplificada seis vezes antes de ser convertida em luz ultravioleta e mirada numa pequena cápsula. Por um bilionésimo de segundo os lasers conseguem produzir uma temperatura 10x maior que o centro do Sol.

 

Diagrama do National Ignation Facility

 

O processo de aquecer a cápsula até que todo o combustível seja consumido em uma fusão é chamado de ignição. É tipo fazer a fricção que acende um fósforo. O objetivo é produzir mais energia da fusão do que o consumido para fazer a ignição acontecer. Parece simples, mas demorou décadas, bilhões de dólares e centenas de tentativas para atingir esse objetivo. O laser do NIF colocou 2,05 megajoules, induzindo uma fusão que lançou 3,15 megajoules de energia. Isso é o bastante para aquecer dois bules de chá, mas o ponto é que foi a primeira vez que foi produzida mais energia do que foi injetada. Isso tirou quaisquer dúvidas que sim, é possível fazer fusão de forma artificial.

Entra o setor privado

A iniciativa privada tem a capacidade de entender quando uma tecnologia está perto da viabilidade comercial, investindo recursos (financeiros, humanos, tempo) para dar a pernada final e capturar valor. Não acerta sempre, mas com boa frequência.

No caso da fusão nuclear, podemos estar no início de um movimento parecido.

Nos últimos dez anos, diversos empreendedores criaram empresas focadas no desenvolvimento de fusão nuclear. Algumas das principais são a Helion Energy, General Fusion, Commonwealth Fusion Systems, TAE Technologies, Tokamak Energy, ENN, Zap Energy e First Light Fusion. Foram captados mais de $5 bilhões apenas nos últimos dois anos. Cada empresa tem uma abordagem diferente e acredito que o mercado vai comportar diversos players com estratégias diferentes.

Dentre estas, destaca-se a Helion Energy, por algumas razões. Primeiro, a empresa já fechou seu primeiro contrato comercial. A Microsoft se comprometeu a comprar energia da Helion já em 2028. Segundo, é uma das empresas mais bem capitalizadas do setor. Terceiro é o perfil dos seus investidores e o fato de Sam Altman, CEO da OpenAI (que cobrimos em artigo), que investiu $375 milhões do próprio bolso na empresa.

Startups de fusão nuclear se apoiam em bilhões de dólares investidos por governos do mundo todo, em movimentos de competição e cooperação global.

Uma Empresa de Fusão Nuclear

Tentando trazer o máximo para a nossa realidade, a Helion Energy vem focando no desenvolvimento de reatores menores, mirando abastecer cidades de 50 mil casas/reator. De forma pragmática, a empresa acredita que seus primeiros clientes serão empresas de data centers. Os GPUS ficam em grandes prédios que consomem enormes quantidades de energia, tem a infraestrutura para geradores de backup, fazendo adaptações menos custosas e ficam longes de áreas populosas.

A meta da empresa é ambiciosa. A Helion acredita que, quando estiver operando em escala, poderá fornecer energia a menos de 10% do custo das alternativas. Outras vantagens são a capacidade de fornecer energia 24 horas por dia e poder variar a produção de energia de acordo com a demanda do cliente.

Em termos de modelo de negócios, eu acredito que a Helion deve operar num modelo semelhante às fazendas solares, com algum acordo de compra em um preço predeterminado por um certo período de tempo.

Se o potencial é enorme, os riscos também são. Primeiro, a tecnologia pode nunca funcionar. Se funcionar, talvez não seja economicamente viável ou pode ser que demore décadas até que isso ocorra. Por fim, existe sempre o risco de um competidor criar uma tecnologia superior baseada em uma descoberta científica. É o tipo de investimento para quem têm estômago.

 

Foto de Reator da Helion Energy

 

Mundo de Energia Infinita

Vamos terminar esse texto num tom positivo imaginando um mundo sem limites de consumo de energia. Atividades inviáveis se tornariam possíveis.

  • Aquecimento global? Simples de resolver, basta retirar o carbono da atmosfera.

  • Falta de água limpa? Facil, basta dessalinizar.

  • Lixo: tranquilo. Podemos incinerar a depois capturar o carbono.

O conceito de que algo é caro pode ser questionado. Ser caro normalmente quer dizer que consome muita energia. Se esta é barata, quase tudo passa a ser possível. Isso sem falar dos efeitos de segunda e terceira ordem. Viagens pelo espaço ficam viáveis, especialmente pois na Lua existe muita matéria prima para fazer fusão. Carros voadores, viagens em alta velocidade, curas para doenças. Tudo isso passa a ser uma questão de colocar o foco para resolver.

A geopolítica do mundo também vai mudar. A maioria das guerras são por recursos. Agora que a energia é ilimitadas, será que precisamos de tantos conflitos?

Quem diria que no fim das contas, a solução dos nossos problemas estava nas estrelas?

Grande abraço,

Edu

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