Olá! Semana passada não tivemos artigo, o motivo é simples: o texto não ficou bom o bastante. Carnaval + trabalho + novas iniciativas do bsb me ocuparam. Prezo pela qualidade acima de tudo e respeito o tempo de vocês.

A newsletter de hoje é dedicada a Malu, minha sobrinha que nasceu no sábado! Te amo! ❤️

Se você tem apenas um minuto, aqui está um resumo:


  • Day Trader como opção de carreira
  • Métricas financeiras ajustadas
  • SPACs
  • Investidores de Tecnologia – os novos Mestres do Universo
  • Talento Menosprezando Capital

Que tempo bom, que não volta nunca mais” é a frase que melhor representa o sentimento de muitas pessoas pelo período de 2009 a 2021, onde tivemos juros próximos de zero. No Brasil, aproveitamos essa fase em dois momentos: de 2009 até 2012, lembram do Cristo Redentor decolando? Depois passamos por uma crise econômica e política interna e o Brasil voltou a se beneficiar desse contexto de 2016 até 2021.

Neste segundo momento, o nosso mercado passou por um fenômeno de “financial deepening”, em que investidores sofisticaram seus portfolios em busca de mais retorno, o que fez surgir uma série de novas empresas, cujo principal exemplo é a XP. No mercado de tecnologia, a entrada de capital em escala levou o ecossistema empreendedor a novos patamares. Em 2020-2021 chegamos no ápice desse período de juros baixos, onde até mesmo o Brasil chegou a ter juros de 2%, no contexto do Covid e com os bancos centrais injetando liquidez no mundo todo.

Você leitor do bsb sabe disso. Mas o que de fato aconteceu? Qual o tema que regeu essa época? Eu resumo como o “Talento Menosprezando o Capital” e temos vários exemplos a seguir.

Day Trader como opção de carreira

Com a queda dos juros e o surgimento de plataformas de investimentos que sem as taxas bancárias e produtos de crédito para oferecer precisavam “estimular” seus clientes a investirem, houve uma explosão de novos entrantes na bolsa. O Brasil bateu 5 milhões de CPFs na B3. Veja que não sou contra o investimento em ações. É a parte mais importante do portfólio de qualquer investidor. O que acho estranho foi o surgimento de grande número de empresas, algumas que até fizeram IPO ou se tornaram unicórnios, cujo único motivo de existir é motivar e monetizar o comportamento de day trading. Robinhood é o caso mais exemplar, mas temos alguns brasileiros também.

Day trading já foi comprovado academicamente que não é uma estratégia de investimento que gera valor, em qualquer período, curto, médio ou longo prazo, principalmente num pais como o Brasil que tem alta volatilidade pelo nosso contexto de mercado emergente.

O que alguns investidores viam como “alfa”, na verdade era beta alavancado, e o problema dele é que funciona na subida e na descida. O que é pior é que a maioria dos day traders são pessoas que abrem mão de uma carreira na qual tem capacidade de gerar valor, param de se desenvolverem profissionalmente, deixam de ter renda e passam a fazer algo que vai consumir seu patrimônio. Não tem como dar certo.

Com a subida dos juros e ajuste nas bolsas globais, as perdas foram relevantes e muitos day traders tiveram que voltar a “trabalhar”.

Métricas financeiras ajustadas

Na minha aula de contabilidade na USP ou em Stanford eu nunca aprendi sobre o que é “EBITDA Ajustado”, ou “EBITDA da Comunidade ajustado”. Nós temos padrões contábeis e eles deveriam ser simplesmente seguidos.

Faz sentido o uso de métricas próprias dependendo do tipo de negócio para análises internas e tomadas de decisão, mas estas devem ser um complemento para as métricas padronizadas e não substitutas.

Seriam os “padrões” apenas dogmas que a nova geração empresarial precisa quebrar? Não vou dizer que não tem alguns padrões de comportamento que me incomodam no mundo, mas padrões funcionais nos ajudam a viver em sociedade. Quer um exemplo? O Brasil quis reinventar o padrão de tomada (odeio aqueles três pinos). O que aconteceu? Todo mundo sai comprando adaptador quando viaja pro exterior. O EBITDA Ajustado, na minha opinião, é a versão contábil da tomada de três pinos: cada empresa cria a sua e apenas gera confusão nas pessoas.

Por que estas métricas são tão adotadas? As lideranças de empresas que perdem dinheiro precisam achar formas de apresentar seus resultados de uma forma mais digerível aos seus stakeholders. Se a média de margem EBITDA das maiores empresas americanas é, digamos, 30%, e a da startup é -80%. Ao excluir uma série de gastos e chegar em -5%, fica um número mais bonito de ver, afinal a rentabilidade está logo ali, pertinho. Vida de startup não é fácil e mostrar progresso de -7% para -4% é mais animador do que de -80% para -77%. É uma forma de se enganar? Sim, mas tem um propósito, ao qual discordo.

E quem recebe as métricas oficiais? O Imposto de Renda. Para esse stakeholder, não tem como evitar a verdade.

SPACs

O conceito das Special Purpose Acquisition Company era de viabilizar IPOs de empresas não tradicionais. Por exemplo, aquelas que ainda não geram receita, mas que tem um capital relevante investido em P&D. Ex: Biotecnologia e Deep Tech. O motivo é que no anúncio da transação da SPAC, a companhia divulga uma apresentação em que mostra ao público projeções financeiras futuras, o que no caso de um IPO tradicional não é permitido. O patrocinador da SPAC, responsável por montar e investir o veículo do “IPO do Cheque em Branco”, tem direito a uma participação da empresa resultante, além de warrants para aumentar ainda mais sua participação, caso o preço da ação suba. Os economics são bem atraentes, mas arriscados para o patrocinador. Ele financia a criação da SPAC, colocando seu dinheiro em risco pois caso não consiga fechar a transação dentro do período de dois anos, esse capital é perdido, enquanto o dos investidores da SPAC é retornado. No entanto, se a transação der certo, ele pode multiplicar seu capital por 5-15x. A SPAC foi inicialmente desenhada para ser um produto de nicho, tanto que de 2009 até 2016, não houve mais que 20 SPACs listadas por ano.

No entanto, algo aconteceu lá para 2018. Alguns investidores perceberam que o produto SPAC poderia ser utilizado como uma avenida de financiamento para startups de alto crescimento, entrando na esteira do FOMO do período. Em 2019 foram 59 SPACs, em 2020 248 e em 2021 613! Tanto capital num produto de nicho não poderia terminar bem e não terminou. O índice que mede a performance das SPACs caiu c.60% do auge e mais de 20% delas não conseguiram encontrar uma empresa alvo, número que cresce a cada dia. Estimativas indicam que próximo de 75% não terão sucesso.

Na América Latina, os números são ainda menos animadores: mais de 10 SPACs foram lançadas. Apenas a Alpha Capital conseguiu listar a Semantix, que infelizmente acumula queda de 70% até o dia deste artigo.

O investidor símbolo das SPACs é Chamath Palihapitiya, ex-executivo do Facebook, onde fez sua fortuna e fundador da Social Capital, gestora que lançou várias SPACs. Chamath utilizou sua presença em mídias sociais para fazer marketing dos seus deals. A medida que as ações se valorizavam, ele foi desinvestindo dos ativos, para “gerenciar sua liquidez”. Não fez nada ilegal, mas deixou gosto amargo na boca de muitos de seus co-investidores.

No dia em que anunciou seu investimento na Metromile, comparando-a com a Geico e se comparando com Warren Buffet

Aqui ele informando que estava vendendo parte de sua posição na empresa, menos de um mês depois da mensagem acima.

No fim das contas a Metromile não se tornou a próxima Geico, desvalorizou 90% e foi comprada pela Lemonade.

Investidores de Tecnologia – os novos Mestres do Universo

Nenhum tipo de investidor se beneficiou mais desse período de quantitative easing e juros baixos do que os investidores de tecnologia. De gestores de nicho, que operavam de forma quase artesanal, aos poucos foram se vendo com crescente interesse de outros investidores: Private Banks querendo investir em seus fundos, Hedge Funds querendo dar centenas de milhões as startups de seus portfolios. Performance melhorando via marcações de novas rodadas. Consultores e Investment Bankers implorando para trabalhar nestes fundos. A vida estava boa.

Chamath, Cathie Wood, Tiger Global, dentre vários outros nomes que foram do anonimato ao nível de “próximos Warren Buffet” em questão de poucos anos. O que antes era uma profissão marcada pela discrição, tornou-se um dos assuntos preferidos do Twitter. 🤷🏻‍♂️

Num cenário de vento a favor, vários gestores decidiram pisar no acelerador: lançaram mais fundos, diferentes estratégias, venderam alocação em “hot deals” (as famosas SPVs), produtos maiores e investidos em menos tempo. Transformaram a arte de criar FOMO nos outros em uma ciência. Passaram a divulgar suas opiniões, seja em Happy Hours (que ofereciam), em Conferências (que patrocinavam), ou nos seus próprios sites. Ser Tech Investor virou uma profissão de prestígio, os oráculos do futuro. Os empreendedores, sabendo que capital sendo investido em alta velocidade poderia ser uma estratégia para vencer, o tal do Blitzscaling (PS: poderiam ter pego uma referência melhor do que uma estratégia de guerra nazista…), ficaram próximos dos fundos, acessando-os com frequência cada vez maior.

Na verdade, os VCs não são mestres do universo, mas sim um conduite de capital para oportunidades em tecnologia e fazem isso cobrando um pedágio, o que não esta errado. Existe também um desalinhamento de interesses com seus clientes, pois fundos maiores não querem dizer melhores retornos, mas significam sim maiores taxas de administração e dependendo do tamanho desta, o gestor já ganha mais dinheiro do que precisa sem entregar retorno algum.

Minha recomendação aos VCs: existe muito expertise na indústria de investimentos tradicional que ainda não foi totalmente transferido para as práticas de VC e pode ajudar neste novo momento. Temas como gestão de risco, construção de portfólio, opções de liquidez, re-estruturações dentre outras.

Já aos clientes destes fundos, minha recomendação é: faça a lição de casa. Se quer investir numa estratégia, entenda-a por completo e não entre apenas pelo FOMO ou porque ela é sexy e faz você se sentir bem fazendo. Venture Capital feels good, mas não é pra quem não conhece.

Por fim, vamos nos levar menos a sério. Como diria meu pai, “É muito difícil prever qualquer coisa, principalmente o futuro”.

Talento Menosprezando Capital

O tema que rege este artigo. Várias pessoas que tiveram sucesso financeiro na vida me ensinaram: “Dinheiro não aceita desaforo”, “Manda quem tem o dinheiro”.

Quando dinheiro passou a valer menos por uma quantidade de tempo única na nossa história moderna, passou a ser frequente o detentor do talento desrespeitar o dono do dinheiro.

Alguns exemplos:

  • Desenvolvedor talentoso que exigia trabalhar de casa e em paralelo com seu trabalho mantinha 3 outros trabalhos part-time
  • Fundador que exigiu dos fundos um valuation de R$200 milhões de reais para uma idéia no power point
  • Gestor de fundos de tecnologia que montou um fundo de ações sem nunca ter comprado uma empresa listada e exigiu que seu cliente investisse
  • Empreendedor que oferecia cashback de 50% na compra de qualquer produto, subsidiando o cliente usando o dinheiro do investidor para mostrar crescimento exponencial
  • Empreendedor que fez secundária de 5% da companhia para logo depois dar para si mesmo um stock option equivalente aos mesmos 5%, mantendo seu % na companhia
  • Funcionários que trocavam de emprego em poucos meses e faziam exigências que ian claramente além do que uma startup early-stage poderia oferece, pois afinal, se der errado ele vai pra outra

Posso continuar listando outros exemplos, mas acho que vocês entenderam. Eu não estou dizendo que todas as situações assim estão erradas e sim os investidores tem culpa nisso. O que estou afirmando é que o pêndulo balançou e ficou por tempo demais no lado do talento e agora esta retornando a média, o que provavelmente deve fazer com que fique por um tempo em favor do capital. Isso vai gerar stress e frustrações. Nada que possa fazer além de dar minha perspectiva e me posicionar para operar nesta nova fase.

Abs, Edu

DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente educacional e entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Adicionalmente, todas as opiniões e visões são do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.