Oi pessoal, tudo bem? Semana passada fomos pegos de surpresa com a notícia que a Flow, fundada por Adam Neumann, o controverso fundador do WeWork captou $350M (milhões) milhões numa rodada seed liderada pela Andreessen-Horowitz (a16z), no maior cheque já feito na história do fundo.

O investimento foi amplamente noticiado pela mídia e gerou uma série de críticas e análises. Neumann é utilizado como a personificação dos excessos dos últimos anos: um empreendedor dito como egocêntrico, financeiramente irresponsável, que enganou funcionários, investidores, dentre outros. No entanto, chamar este investimento de “prova da injustiça social do mundo” não é produtivo.

Temos que analisar este movimento a partir dos fatos e participantes. Mais importante, temos que focar no real protagonista desse investimento, Marc Andreessen e suas motivações. Vamos lá?


🤗 Versão Twitter: o investimento da a16z na Flow faz sentido quando pensamos no modus operandi da gestora, a principal disruptora da indústria de VC dos últimos anos.

👍🏻 Versão Nutella:

  • O investimento na Flow, que nasce com um portfolio de $1.2Bi de ativos imobiliários e múltiplas parcerias estratégicas não possui o perfil de risco de uma rodada semente. É um investimento com mais perfil de Private Equity tradicional
  • Mais do que um investimento, Flow representa o primeiro teste em escala do Venture Capital Project Finance, uma idéia que Marc Andresseen advoga faz tempo
  • A a16z é uma empresa de venture capital única. Focada em performance e crescimento, com um time grande, flexibilidade, multiproduto e desenvolvendo uma estratégia de relações públicas como nenhum fundo antes. Conseguiu entrar no clube das melhores casas de VC em apenas dez anos e quer mais
  • Mais do que um investimento, Flow representa o primeiro teste em escala do Venture Capital Project Finance, uma idéia que Marc Andresseen advoga faz tempo
  • O fato de eu ou você acreditarmos que o Adam Neumann não merece uma segunda chance não importa. O mundo não é justo. Sim, Neumann teve muitos privilégios e ainda tem. No entanto ele se posicionou para novamente captar recursos em larga escala e vai tentar revolucionar novamente outra indústria

👊🏻 Versão Raiz: 

O que é a Flow?

O post anunciando o investimento não dá muitas dicas além de que se trata de uma empresa no no segmento residencial. O que sabemos:

1) Neumann comprou mais de 3 mil apartamentos, somando mais de $1Bi, usando equity (próprio) e divida em cidades como Miami, Atlanta e Nashville. O objetivo é criar uma nova marca de apartamentos, um conceito comum nos Estados Unidos.

2) Nos últimos anos, Neumann investiu em diferentes empresas no segmento imobiliário:

  • Valon: de gestão de financiamentos imobiliários
  • Hello Alfred: que digitaliza atividades como pagamento de aluguel, gestão de atividades de manutenção e agendamentos
  • Doorsey: que dá a corretores, compradores e vendedores um marketplace para compra e venda de imoveis

Quando juntamos financiamentos + gestão de condominio + marketplace de imoveis  começamos a ter uma idéia do que isso pode ser. Podemos imaginar que deve se tratar de uma experiencia de co-living, com amenidades (ex: piscina, aulas, etc), ótimo design, pegada de tecnologia e possivelmente até uma oferta em que os moradores podem vir a comprar os imóveis que alugam, um modelo conhecido como rent-to-own, ou alugar-para-comprar na tradução literal.

E esse valuation de $1Bi para uma empresa pré-operacional?

O Paulo Passoni foi o primeiro a cobrir esse tema de forma inteligente. Veja, a Flow nasce a partir da contribuição dos ativos imobiliários que Adam Neumann veio comprando nos ultimos anos. Assumindo um portfolio de $1.2Bi em ativos, provável que ele tenha colocado uns $300-400M em equity e o restante em dívida. O investimento do a16z de $350M significa um pre-money de $650M. Investir numa empresa que vale $650M , mas tem $300-400M em ativos reais é uma relação de risco vs retorno completamente diferente do investimento seed/semente, em que a startup é normalmente apenas uma idéia. Aqui temos ativos reais garantindo boa parte do valor da empresa. Chamar de investimento semente na minha opinião esta errado e quem esta fazendo isso ou esta desinformado, ou faz isso com algum interesse (mais sobre isso adiante).

Sobre o investidor  

Marc Andreessen começou sua carreira em 1993, co-fundando a Netscape, comprada pela AOL em 1999 por $4.3Bi. Em 98 ele novamente empreendeu, dessa vez com Ben Horowitz, seu futuro sócio na a16z, montando a Opsware, comprada em 2007 pela HP por $1.6Bi. A histórias destas empreitadas são bem contadas na série Valley of the Boom e no livro The Hard Thing about Hard Things, respectivamente.

Entre 2005 e 2009 ele e Horowitz investiram mais de $80M em startups com dinheiro próprio. Com o sucesso de suas investidas, decidiram empreender em venture capital, criando a gestora que eles gostariam que existisse na época em que estavam empreendendo.

Investimento é um negócio com baixa barreira de entrada. Qualquer um pode começar um fundo. No entanto, no Vale do Silício, a consistência de retorno entre os líderes desafia a lógica. Como que são sempre as mesmas casas que mantém os melhores retornos década após década? Sequoia, Benchmark, Accel…Os motivos não importavam, o que Andreessen e Horowitz queriam era entrar nesse grupo, algo que muitos consideravam impossível.

A estratégia que usaram foi de “contra-posicionamento”. Eles adotaram uma nova forma de atuar, difícil de ser copiada pelas empresas incumbentes, de forma que conseguissem se diferenciar e vencer investimentos concorridos. A nova empresa, chamada de Andreessen-Horowitz (a16z), inovou em várias frentes:

1) Tamanho de fundo: enquanto a maioria das gestoras restringiam o tamanho dos fundos, a a16z começou com um fundo de $300M, grande para o ano de 2009. Eles investiram esse fundo rapidamente e em três anos já tinham $2.7Bi sob gestão. Como diz Andreessen “Força atrai ainda mais força”.

2) Flexibilidade: o fundo poderia investir em empresas de qualquer estágio e concentrar se quisesse. Por exemplo, no primeiro fundo investiu $50M no consórcio que comprou o Skype do eBay, uma empresa já madura num investimentos que muitos disseram ser “nada a ver”, até que em dois anos depois o capital foi multiplicado por 3 e ninguém mais criticou.

3) Time: poucos sócios e analistas? No caso da a16z, o time seria grande e funcional, criando equipes que ajudassem empreendedores em temas como marketing, RH, operações, fundraising, etc.

4) Multiproduto: tecnologia é uma tendência tão relevante, que apenas um fundo não consegue aproveitar todas as suas oportunidades. É preciso de diversos produtos, focados em diferentes estágios (semente, venture, crescimento) e setores (crypto, biotecnologia, gaming). A a16z não é tímida ao dizer que está sempre procurando novas estratégias e espaços em que pode criar novos produtos de investimento. É uma gestora que pensa como empresa. Uma empresa que quer crescer muito.

5) Relações Públicas: Andreessen sempre estranhou que as empresas do mercado financeiro adotam uma postura discreta, o tal do “low profile”. Pesquisando o assunto ele descobriu que o motivo era que bancos durante a primeira guerra se tornaram grandes financiadores do conflito (as vezes para ambos os lados) e esse tipo de atividade, apesar de altamente rentável, poderia gerar problemas com a opinião pública. Dessa forma os bancos criaram o modus operandi de que ser low profile era o certo, se expor não era “chique”. Isso virou regra (até no Brasil).

Andreessen viu nisso uma oportunidade. A a16z não seria low profile. Iria colocar suas opiniões em alto e bom tom. Mais do que investidores, eles seriam formadores de opinião. Não iriam apenas financiar o futuro, mas ensinar as pessoas sobre como o futuro deve ser. a16z pensa, sonha, inviste e depois diz aos outros o que pensar, sonhar, investir e consumir.

O lançamento do primeiro fundo foi numa entrevista com Charlie Rose, seguido de reportagens de capas em revistas como a Fortune.

Nos bastidores tudo era organizado pela Margit Wennmachers, sócia de uma das principais empresas de RP do Vale do Silício, que eventualmente se tornou sócia da própria a16z. Margit tem que figurar naquelas listas de “gente influente pra caramba que a gente provavelmente nunca ouviu falar

Me permitam divagar um pouco aqui:

Não pensem que isso não afetou os brasileiros. Eu lembro que até 2012 toda revista sempre usava a mesma foto do Jorge Paulo Lemman, avesso a reportagens. O próprio Banco Garantia prezava pela discrição. Então se hoje vivemos no mundo da XP Expert, investidores celebridades e até o próprio Lemann adotou um tom mais aberto, isso em parte se deve a influência da a16z.

O que isso tem a ver com a Flow? Muita coisa.

Me imaginando no comitê de investimentos do a16z, acredito que o memorando explicando essa oportunidade deve ter sido algo nas seguintes linhas:

1) Mercado enorme/Produto diferenciado/Empreendedor testado: o mercado residencial representa a maior classe de ativos do mundo e a Flow pode vir a ser uma das principais gestoras desse mercado, cobrando múltiplos take rates dentre as atividades desempenhadas com esse ativo. A Flow criou uma solução verticalizada como nenhuma outra no mercado. Adam Neumann é um empreendedor que construiu uma das mais importantes empresas da última década e investiu mais de $300 milhõess do próprio bolso.

Esse é o motivo mais obvio, mas acredito que existem outros.    

2) Teste para o “Venture Capital Project Finance”: faz anos que Marc Andreessen propõe a idéia (vá ao minuto 51) de um modelo semelhante ao Project Finance tão utilizado para financiar projetos de infraestrutura, mas para financiar projetos de tecnologia. A idéia seria um fundo que conseguisse comprometer $5Bi a um empreendedor de uma vez só e a medida que objetivos são atingidos, o capital é liberado em fases, da mesma forma que um Project Finance. Na minha visão, o investimento da Flow é importante pois é um dos primeiros testes com capital em escala desse modelo de “Venture Capital Project Finance” que se der certo, pode levar a novos produtos da a16z, em escala muito maior que a atual.

3) Plataforma para a estratégia “American Dynamism”: em 2020 a a16z divulgou um texto chamado “Its Time to Build”, que era o prenuncio de uma nova estratégia de investimentos focada em setores que servem o interesse nacional americano, como defesa, saúde pública, educação, suprimentos, indústria, manufatura e housing. Flow está sendo anunciado como um investimento desta estratégia e suspeito que em breve veremos um fundo “a16z American Dynamism Fund”. Para full disclosure, a sócia desse time, Katherine Boyle, é uma boa amiga e estou torcendo por ela.

4) a16z continua ditando o rumo da tecnologia: colocar um texto escrito pelo próprio Andreessen, que raramente anuncia investimentos, fazendo o seu maior cheque, num empreendedor altamente controverso, é uma estratégia de marketing. Isso num momento em que grandes investidores de tecnologia como Softbank e Tiger Global anunciam perdas e as empresas de tecnologia listadas acumulam perdas de até 80%.

E o Adam?

Bom, o principal ponto de crítica é o fundador da empresa, Adam Neumann. Ele fundou o WeWork e construiu uma das maiores empresas do mundo, chegando ao valor de mercado privado de $47Bi depois de captar mais de $20Bi. Ele praticamente criou o conceito de co-working. Sua capacidade de captar recursos humanos e financeiros é incontestável.

Por outro lado, ele chacoalhou um importante setor da economia com contratos insustentáveis, operou a empresa com múltiplos conflitos de interesses, alguns até bem feios (ex: comprar a marca We e depois revender para a própria empresa por $6M). Tratou mal funcionários, muitos até depois viriam a dizer que foram enganados, como no documentário do Hulu. A tentativa de IPO da empresa foi um completo desastre e quase trouxe o ecossistema de tecnologia junto. Por fim, Adam saiu com bilhões em secundárias e um contrato de consultoria, enquanto a maioria dos investidores e funcionários saíram no prejuízo.

Um cara como esse merece uma “segunda chance”? Quem sou eu na fila do pão para responder essa pergunta?

Aqui vale lembrar de uma das melhores aulas do MBA de Stanford, “Paths to Power” do Prof. Jeffrey Pfeffer. A aula é um soco no estômago. O Prof. Pfeffer ensina que o mundo não é justo. Se você for bonzinho, trabalhar duro e não fazer mal a ninguém a garantia que você de certo é zero. Cabe a você aceitar isso, como forma de tomar responsabilidade pelo sucesso na sua vida e que acumular poder é essencial para viver melhor, ter mais influência e sucesso.

O que Adam Neumann fez depois do WeWork? Ele desenvolveu de forma silenciosa uma tese que está unicamente posicionado para executar. Construiu um ativo de $1.2Bi em imóveis, somados a acordos estratégicos a inúmeras startups e está verticalizando a maior classe de ativos do mundo. Qualquer um pode chegar na a16z com um ppt. Poucos podem chegar com uma oportunidade dessa escala. Oferta e demanda…

Neumann viu no a16z uma gestora com $33Bi sob gestão e que cada vez mais precisa investir grandes somas para fazer diferença em sua performance. Para a a16z, multiplicar $1Bi por 3x num único investimento faz mais sentido do que investir $100 mil em 10 mil empresas na expectativa que uma retorne $3Bi.

Se ele merece uma segunda chance? Isso não importa para os tomadores de decisão e é assim que a indústria de investimentos (infelizmente) funciona. Eu não investiria nele, mais por medo de perder dinheiro, mas pelo visto muita gente que vai.


Espero que ao apresentar esta análise do ativo e seu investidor, as pessoas deixem de ficar chocadas e entendam o racional. Entender é o primeiro passo para tentarmos mudar o modus operandi da indústria de VC, fazendo o mesmo que o a16z: utilizar o “contra-posicionamento” para disruptar essa indústria tão fascinante quanto problemática.

Este artigo utiliza como fontes os seguintes textos: Investing in Flow; análise do Safi; post do Passoni, que não consegui achar no Linkedin, mas fica aqui o devido crédito.

PS: estou com uma meta de levar o bsb até 10.000 até o final do ano. Gostou desse artigo? Quer me ajudar? Então compartilhe e envie a seus amigos e colegas!

Grande abraço,

Edu

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