Oi pessoal! No texto da semana passada cobri o nascimento do Alibaba e sua estratégia para atingir a dominância no mercado chines. Hoje vou falar sobre o ambiente competitivo, desafios regulatórios e a surpreendente reorganização em seis empresas independentes.

Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:


  • Ao tentar liderar nas principais frentes do comércio na China, o Alibaba se viu diante de competidores bem financiados, alguns apoiados pela Tencent e vem perdendo em mercados importantes

  • O futuro do eCommerce chines está nas cidades menores, em que a empresa não é líder

  • A pressão regulatória afetou o setor de tecnologia chinês, o Alibaba foi o maior alvo

  • A decisão de dividir o conglomerado em seis empresas tem motivos de competição, regulatórios e financeiros


Terminamos o artigo da semana passada num tom positivo. O Alibaba atualmente é:

  • O maior varejista do mundo em GMV

  • Maior provedor de serviços de Cloud Computing na China

  • A plataforma de logística mais ambiciosa do mundo

  • Um forte concorrente no mercado de O2O – Online-to-Offline

  • O maior detentor de conhecimento sobre o consumidor chinês pelo agrupamento de informações de consumo em seus diversos serviços

Tudo ótimo e continuando bem, certo? Sim e não. O Alibaba tem dois grandes desafios para seu futuro: o primeiro é competição e o segundo é a regulação. A sua reestruturação é uma forma de tentar matar dois coelhos com uma cajadada só.

Mercado da China

O consumidor chinês é incrivelmente adaptável. Estamos falando de um grupo de pessoas que passou por 200 anos de industrialização em poucas décadas. Na China, não se adaptar é um risco existencial. Isso quer dizer que a barreira para mudar de um aplicativo para outro não é assim tão alta quanto em outros países. A competição é ferrenha e copiar features de rivais é uma prática comum.

Era a maior oportunidade de negócios do século: “ser a plataforma de comércio da economia mais populosa do mundo enquanto esta passava por um crescimento acelerado de PIB e Renda per Capital”. No entanto, ao tentar ser tudo para todos, o Alibaba se expos a competidores focados nos diferentes nichos em que opera.

Fonte: Chinese Characteristics Analysis

 

Note que não estamos falando de competidores pequenos. Por exemplo, a Meituan, o primeiro logo da imagem acima, vale US$110 bilhões de dólares. Pinduoduo US$83bi, JD US$55bi, a controladora da Shopee vale US$44bi, CTrip US$23bi e a lista continua.

Competir com qualquer uma dessas empresas é uma boa briga, mas competir com todas faz com que seja difícil vencer.

O primeiro sinal que o modelo do Alibaba poderia ser desafiado veio no mercado de Online-to-Offline. Esse termo se refere a transações que começam de forma online, mas que são completadas offline. Pedir comida online é um bom exemplo.

A Meituan, empresa que inspirou os colombianos fundadores da Rappi, conseguiu conquistar a dominância do mercado chinês, com mais de 70% de market share. Quando surgiu, era considerada o Davi vs o Golias da Eleme, a plataforma do Alibaba. Um dos grandes trunfos da Meituan foi uma parceria com a Tencent. No artigo sobre o conglomerado dono do WeChat expliquei sobre esta brilhante estratégia: no lugar de operar todos os serviços que seus usuários poderiam consumir online, a Tencent escolhe parceiros em cada uma destas verticais, faz um investimento financeiro e dá acesso preferencial via os mini-programas no WeChat. Ela opera os serviços financeiros e também se beneficia do crescimento dos serviços em seu ecossistema via a sua participação acionária. É uma estratégia mais colaborativa, em que possui tentáculos por toda a economia digital, mas não captura todo o valor. Eu adoro esse modelo, não à toa escrevi sobre ela antes do Alibaba =)

Um outro ponto importante do mercado chinês, é que é um terreno fértil para experimentação. Todos os dias inovações tecnológicas são aplicadas para a criação de novos modelos de negócio e consumo. Vídeos curtos, criados em plataformas que permitem fáceis edições, nasceram na China. O Alibaba, mesmo com uma divisão de mídia e uma imensidão de dados, não foi capaz de competir com o TikTok / Douyin. Ter uma presença forte neste tipo de mídia é importante pois Live Commerce é uma tendencia crescente no mercado local. Os consumidores não querem pesquisar os produtos que viram num vídeo, mas sim fazer a compra no próprio vídeo. Em 2018 o Douyin, que é a versão do TikTok para o mercado chines, teve um GMV de US$1.5bi. Em 2022 esse número foi de US$217bi!

A capacidade de coordenação que a internet e o smartphone trouxeram, aliado com o sentimento de comunidade que existe especialmente em cidades mais pobres e agrícolas da China criou as condições para o fenômeno de Compra Coletiva. Neste modelo, pessoas com certa afinidade (ex: vizinhos) se unem para comprar um produto em escala, conseguindo assim desconto tanto no preço quanto na logística. A maioria das compras são de produtos baratos, tipo uma panela. Aqui de novo o Alibaba não conseguiu competir com a plataforma apoiada pela Tencent. A Pinduoduo, pioneira nesse modelo, é a líder incontestável e seu valor de mercado já é equivalente a 40% do Alibaba.

Isso se torna particularmente um problema quando esta modalidade de compra é a preferida das regiões em que o eCommerce ainda não penetrou o consumo da população.

Fonte: Kantar Millward Brown

 

Depois de 20 anos brigando pelas maiores cidades, estas já estão saturadas. O crescimento marginal está nas cidades menores, onde o Pinduoduo está dominando. Isso se reflete na performance financeira do Alibaba, que vem desacelerando seu crescimento em diversas áreas.

 

Análise: Bits, Stocks & Blocks

 

Nota explicativa: em vários países asiáticos, incluindo a China, o ano fiscal começa em março do ano anterior e termina no final de março. Ex: os dados de 2022 se tratam do ano que começa em março/2021 e termina em março/2022.

A situação em que a empresa se encontra é uma em que o seu negócio central é saudável financeiramente, mas está sob ataque e outras divisões ainda estão sob gestação, tem diferentes graus de maturidade e não conseguem ter grande impacto. Além disso, em particular o negócio de Cloud não parece possuir muita sinergia com o restante da empresa.

Entra o Regulador

No dia 24 de outubro de 2020, a poucos dias do IPO da Ant Financial – Fintech nascida dentro do Alibaba, que opera o Alipay e em que a empresa possui uma participação de 33% – Jack Ma participou de um evento e no palco, para uma plateia de financistas chineses disse que “o sistema financeiro chinês tem uma mentalidade de loja de penhores” e mais diversas críticas, terminando com “não podemos usar os métodos de ontem para regular o futuro”.

Para nós aqui no Brasil isso não parece algo agressivo, mas na China, onde o Partido Comunista Chines gerencia o sistema financeiro, isso não pegou bem. Na verdade, pegou mal, muito mal.

O IPO da Ant Financial, que iria avaliar a empresa em mais de US$300bi foi cancelado e uma série de investigações em suas operações começaram. O que foi mais impressionante, no entanto foi que Jack Ma, sim nosso extrovertido protagonista, SUMIU. Ele deixou de participar de eventos da empresa, e de fazer aparições de todo tipo.

Jack Ma gostava de fazer aparições assim…e sumiu por mais de um ano

 

Não vou entrar nas teorias conspiratórias, mas a mudança de comportamento de Jack Ma foi clara. Durante meses nenhuma pessoa sabia de seu paradeiro. No início de 2022 circulavam rumores que ele estaria morando no Japão. Em novembro do mesmo ano as primeiras fotos surgiram do seu “autoexílio”.

Em paralelo, o governo chinês começou a pressionar as empresas de tecnologia nas mais diversas frentes. Inicialmente as fintechs foram afetadas, com o Banco Central aumentando as necessidades de compliance. Medidas antitruste foram impostas no setor de tecnologia como um todo, seguida de leis para proteção de dados e cibersegurança. Multas foram impostas a diversas empresas. É bom lembrar que a postura do governo local até então era considerada muito mais leniente do que a de outros países. Pressões via regras de mercado de capitais forçaram até mesmo empresas como a Didi – conhecida no Brasil por ter comprado a 99 a fechar o capital na NYSE.

O Alibaba foi um dos mais afetados, pagando até mesmo uma multa de US$2.8bi. Não sabendo o quanto essa pressão iria afetar a empresa, o mercado puniu suas ações, que se desvalorizaram c.80% do pico ao vale de preço. Em 2023 o governo começou a relaxar algumas destas pressões e hoje o ambiente está mais amigável, mas o receio permanece.

Divisão do Alibaba

Em 27 março de 2023 Jack Ma é visto pela primeira vez em solo chines. Um dia depois a empresa anuncia uma completa reestruturação, sendo dividida em seis empresas diferentes, cada uma com seu próprio CEO e Conselho de Administração. Estas empresas podem ter composições acionárias diferentes e algumas são fortes candidatas a um IPO no futuro próximo ou captar recursos com fundos de Private Equity.

Por que a empresa fez isso. Para mim os motivos são:

1) Diminuir a pressão dos reguladores: o poder percebido de Jack Ma, outros acionistas e executivos da companhia diminui se são apenas acionistas de empresas menores que não operam de forma 100% coordenada e terão acordos a padrão de mercado. Também passa a ser mais difícil regular contra seis empresas do que uma.

2) Otimiza a alocação de capital: o fluxo de caixa de cada uma das empresas passa a ser reinvestido em seus próprios negócios ou distribuído aos acionistas. Isso vai levar a uma maior simplificação e disciplina. Também dá ao negócio de eCommerce local, de longe o maior, mais capital para lidar com a competição, dado que hoje uma parte relevante do seu capital seja utilizado para subsidiar as operações deficitárias.

3) Destravar valor: existem vários casos de spin-offs bem sucedidos, como a separação do eBay e PayPal. Ao operarem como negócios separados, os acionistas do Alibaba podem capturar o fim do “desconto de holding”, especialmente dado que os negócios estão em momentos diferentes de crescimento e rentabilidade.

Nota explicativa: caso você esteja achando estranho os dados financeiros abaixo vs os da tabela de antes no texto, é porque para nesta seção eu peguei os dados mais recentes de Março 2022 até Dezembro 2022, enquanto na tabela da outra seção inclui dados de Março 2017 até Março de 2022. O que fica claro comparando ambas as informações é que durante o ano de 2022 a empresa diminuiu o ritmo de crescimento em todas as divisões.

As novas empresas são:

1) Taobao Tmall Commerce Group: esta empresa engloba as operações de eCommerce do Alibaba na China. Isso inclui as plataformas Taobao e Tmall. É bom ressaltar que o Alibaba opera múltiplas plataformas, cada uma focada em um tipo de comércio. O Taobao é focado em quem quer procurar qualquer coisa, de preferencia ao menor preço possível. O Tmall é um marketplace para marcas consideradas de alto nível, em que não existe o risco de comprar um produto pirata. Existem outros, mas os dois anteriores são os principais. Esta empresa concentra c.70% das receitas do antigo Alibaba, tem margem EBITDA de 33%, seu crescimento foi flat e é de longe a maior das seis.

2) Local Services Group: engloba os serviços de entrega de comida, a ele.me e o serviço de mapas. Representa 5% das receitas, seu EBITDA cresceu 40% no último ano, mas ainda é negativo, com margem de -26%.

3) Global Digital Commerce Group: inclui o Alibaba.com, AliExpress e as operações de marketplace fora da China. Representa 7% das receitas, cresceu 8% no ano passado e seu EBITDA é de -6%.

4) Cloud Intelligence Group: concentra o serviço de Cloud, na qual o Alibaba é líder na China e a divisão de Inteligencia Artificial. Curiosamente, mesmo sendo apenas 10% das receitas, é a divisão que “herdará” o atual CEO do Aliaba no mesmo cargo. Ano passado seu EBITDA cresceu 19% e opera perto do breakeven, com margem EBITDA de 2%.

5) Cainiao Smart Logistics: esta nova empresa vai gerir os serviços logísticos do grupo, representando 5% da receita e uma das joias do Império Alibaba. No ano passado cresceu 22% em receita, seu EBITDA cresceu 87% e também opera em breakeven.

6) Digital Media and Entertainment Group: a última empresa opera o negócio de mídia e cinemas do Alibaba. A Tencent também fez o spin-off da sua divisão equivalente, esta focada em música e a Tencent Music tem valor de US$12bi e é listada de forma independente na bolsa. Esta divisão representa 4% do faturamento e opera em breakeven. Ano passado suas receitas encolheram 4%.

De um império gerido por um líder carismático, o novo ciclo do Alibaba o coloca numa estratégia mais parecida com sua arquirrival, a Tencent. Muitos já desafiaram e desconsideraram Jack Ma. Apesar de não possuir um cargo atualmente na empresa, podemos inferir que sua influencia ainda é grande, especialmente pela cultura que construiu. Eu continuo acreditando num futuro próspero para as seis companhias, simplesmente porque apostar contra Jack Ma nunca foi bom negócio, mas continuo preferindo a Tencent como companhia.

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