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Hoje quero falar sobre algo intimamente humano e que dificilmente um computador vai conseguir copiar: Criatividade. Neste tema, nenhuma empresa supera a Pixar. É um prelúdio da série sobre Inteligência Artificial que começará semana que vem.

Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:


  • Ed Catmull, co-fundador e Presidente, Steve Jobs, acionista controlador e John Lasseter, Chief Creative Officer formam a Santa Trindade da Pixar

  • A cultura da empresa foi moldada pelas experiências de Catmull, especialmente seus períodos na Univ. de Utah, Lucasfilm e trabalhando com Steve Jobs

  • Steve Jobs foi genial ao fazer o IPO da Pixar uma semana depois do lançamento de Toy Story

  • A transferência da cultura da Pixar para o Disney Animation Studios é uma das mais bem sucedidas integrações de empresas na história


Catmull, Jobs e Lasseter

A história da Pixar nos faz acreditar que existe algum tipo de mágica no mundo que permite que mesmo contra todas as possibilidades, algo especial aconteça. É aquilo que Steve Jobs disse no discurso de formatura de Stanford “você só consegue conectar os pontos olhando pra trás”. Até hoje a Pixar produziu 26 filmes que arrecadaram US$14bi, ganhou 23 Oscars e foi pioneira em animação por computador.

A melhor forma de explicar a Pixar é via a “Santa Trindade” que liderou a companhia pelos seus primeiros 30 anos: Ed Catmull, co-fundador e Presidente, Steve Jobs, acionista controlador e John Lasseter, Chief Creative Officer.

Ed Catmull, Steve Jobs e John Lasseter

O Scenius da Universidade de Utah

Scenius é uma palavra em inglês que vem da união de cena (no sentido de “a cena de arte no Brasil”) com gênio. Apesar de novas ideias serem normalmente articuladas por um indivíduo, quase sempre estas são o produto de uma comunidade. Chamar alguém de gênio é colocar uma pessoa num patamar acima das outras. Na maioria dos casos, o gênio conseguiu participar de uma comunidade muito rica que o ajudou a desenvolver suas ideias. O Departamento de Ciências da Computação da Universidade de Utah nos anos 70 é um excelente exemplo de um Scenius. Liderado pelo Prof. Ivan Sutherland, este departamento concentrou as principais mentes interessadas no tema de interface gráfica. Foi nesse departamento que Ed Catmull, um apaixonado por filmes da Disney e frustrado aspirante a animador – ele não desenhava bem – fez a sua graduação e doutorado. Dentre os seus contemporâneos estavam os fundadores das empresas abaixo:

Além do conhecimento técnico, Catmull aprendeu sobre liderança. O Prof. Sutherland cultivava uma cultura colegial e colaborativa. Cobranças constantes, direcionamentos específicos, sem espaço para improvisação eram contra produtivos para um bom ambiente de pesquisa e criação. Por fim, o Prof. Sutherland buscava alunos muito inteligentes, “melhores que eu”, dizia, colocando sua insegurança de lado em favor do desenvolvimento acadêmico. Este ambiente inspirou Catmull. Foi no doutorado que ele definiu seu objetivo profissional: criar o primeiro longa-metragem animado feito em computador.

Depois do PhD, Catmull liderou uma equipe de pesquisadores no New York Institute of Technology (NYIT), onde teve amplo apoio para criar novas tecnologias. Sua equipe desenvolveu um software que ajudava a criar frames de movimento, mas foram incapazes de comercializar a tecnologia. Pode parecer loucura, mas em 1976 a ideia de usar tecnologia para fazer filmes não agradava ninguém, mas uma pessoa mudaria isso: George Lucas. Foi Star Wars que mostrou ao mundo o potencial da tecnologia a serviço da arte.

George Lucas

A Caminho do Sonho

O criador de Star Wars merece um artigo próprio. Além de diretor de cinema, ele também é um empreendedor de sucesso, com a Lucasfilm. Lucas contratou Catmull e sua equipe. Eles desenvolviam o hardware, software e efeitos especiais. Sua divisão se chamava Computer Graphics Labs (GCL).

Catmull tinha um estilo de trabalho semelhante ao de Lucas: ambos super focados que falavam apenas quando tinham algo a dizer. Ele foi um mentor importante.

Primeiro, Lucas era uma pessoa extremamente prática, que conseguia lidar tanto com artistas quanto e executivos. Ele se via como um cineasta e se interessava pela tecnologia até o ponto em que esta poderia adicionar valor ao processo de fazer um filme. A frase de Yoda ”Tentar não; faça ou não faça; tentativa não há”, resume bem seu estilo de gestão.

Segundo, a Lucasfilm ficava geograficamente entre o Vale do Silício e Los Angeles, de forma que não fazia parte do ecossistema e cultura de nenhuma das duas cidades. O ambiente era protegido, parecia uma instituição acadêmica. A experimentação era estimulada, mas existia a urgência para dar lucro, como qualquer empresa. O resultado era que o time sentia que estava resolvendo problemas por uma razão.

Terceiro, Lucas dizia que o mais importante não era o produto final, mas sim o caminho, o processo de construção. O foco deve ser no longo prazo, no futuro e na capacidade da Lucasfilm de impactá-lo.

O GCL construiu o Pixar Image Computer, um computador focado em efeitos especiais. O nome Pixar veio da junção das palavras Pixel + Arte. O grupo também desenvolveu o software RenderMan, que permite a criação de imagens tridimensionais e as transforma em imagens foto realísticas.

Pixar Image Computer

Em 1983 George Lucas teve dois problemas: após o lançamento de O Retorno de Jedi as receitas da Lucasfilm caíram. Em paralelo, ele passou por um divórcio. Na época o CGL tinha uma equipe de 40 pessoas e eles sabiam que o sonho de criar o primeiro filme de animação criado em computador ainda estava a alguns anos de distância.

Lucas viu que seria possível fazer um spin-off dessa divisão em uma nova entidade, uma empresa de tecnologia que venderia o computador Pixar com o software RenderMan. O computador era de altíssima performance e seu público alvo seria o governo, institutos de pesquisa e universidades. Ele ofereceu a empresa para 35 fundos de Venture Capital e 10 companhias, mas não recebeu nenhuma oferta.

Steve Jobs

Pouco depois de ter sido expulso da Apple Computers, em 1985, Steve Jobs liga para George Lucas, querendo conhecer a oportunidade.

Ed Catmull reportou diretamente a Steve Jobs por 26 anos, mas na primeira reunião ficou intimidado com Jobs, uma pessoa brilhante, articulada, intensa, cheia de opiniões e dominante. Sua opinião era que caso Jobs comprasse a GCL, seria uma experiência ruim, especialmente pois a visão de Jobs que a Pixar fosse uma empresa de computadores e a de Catmull era de transformá-la num estúdio de animação.

Alguns meses depois eles se reconectaram. Jobs já havia fundado uma nova empresa para competir com a Apple, a NeXT, e estava mais relaxado e aberto para entender o que poderia ser a Pixar. Em 1986 Jobs comprou a GCL, pagando US$5mi e adicionalmente injetando US$5mi em capital primário. Os executivos mantiveram uma participação na empresa, que se chamaria Pixar. O plano era que esta seria uma empresa de computadores até que a tecnologia chegasse num nível bom o bastante para que a animação via computador fosse possível em larga escala.

John Lasseter

Estudante da CalArts, escola de artes que Walt Disney co-fundou, o jovem Lasseter se destacou e foi contratado pela Walt Disney Productions em 1979 como animador. A Disney era a única empresa que ele considerava trabalhar na vida e durante o colegial tinha trabalhado em seus parques. Sua carreira evoluiu rápido, mas ele se decepcionou com a falta de criatividade do estúdio. Lasseter descobriu a animação por computador e passou a propor projetos com essa tecnologia. Seu entusiasmo exagerado somado às recorrentes críticas fizeram dele um bom alvo para políticas internas. Logo depois que apresentou a idéia de um novo projeto, que foi imediatamente cancelado, ele foi demitido.

Enquanto isso, Catmull estava discretamente começando a montar uma equipe de animação na Pixar. A ideia era desenvolver o expertise de contar histórias para primeiro criar projetos curtos de animação para marketing da própria Pixar e clientes externos, preparando o terreno para um futuro longa-metragem de animação. Ele contratou Lasseter com o cargo de Interface Designer, uma posição que não existia, dado que Catmull não podia contratar animadores. Essa foi a forma dele “contrabandear” um artista para dentro da Pixar.

Dois anos depois do spin-off, em 1988, o curta Tin Toy, dirigido por Lasseter ganhou o Oscar de melhor curta de animação. No lado de negócios a Pixar estava uma tragédia. Jobs injetava dinheiro ano após ano. É fácil dizer que “o grande Steve Jobs viu o potencial da Pixar e continuou investindo”, mas a verdade é que diversas vezes ele tentou vender a empresa. Toda vez que uma oferta era feita, Jobs utilizava-a como uma confirmação que ele estava no caminho certo e decidia por não vender. Quem diria que até Steve Jobs precisou de alguma validação externa na vida. Ele investiu no total c.US$60mi na Pixar.

Depois de ter feito algumas campanhas de marketing, a Pixar decidiu apostar tudo no segmento de animação. Em 1990 eles venderam o negócio de hardware, demitiram mais de 60% da empresa e ficaram com apenas 42 funcionários. A Disney era uma cliente próxima da Pixar, tanto no hardware quanto software e foi com ela que a empresa fez um acordo de US$26mi pela produção de três filmes que seriam financiados e distribuídos pela Disney, que também ficaria dona dos direitos dos personagens. Caberia a Pixar um percentual dos lucros.

Toy Story

O desenvolvimento do primeiro filme foi cheio de desafios. Em especial, a história tinha problemas – o personagem Woody não gerava simpatia do público – e uma boa parte do roteiro e animação foram refeitos. Mesmo com o filme pronto, Jobs ainda considerava vender a empresa. Apenas depois de ouvir que a Disney havia gostado tanto do filme que iria distribuí-lo na época do Natal e que os primeiros críticos tinham haviam adorado foi que ele se convenceu que a Pixar era um ativo que não deveria ser vendido, pelo menos não naquele momento.

Jobs fez então um movimento de negócios genial. Na sua opinião, tão logo Toy Story fosse lançado, a Disney, mesmo sendo parceira da empresa, teria um novo rival. Isso motivaria seu CEO na época, o competente e egocêntrico Michael Eisner, a querer renegociar os termos do acordo. Se a renegociação era inevitável, a Pixar precisava estar numa posição de força e isso só seria possível com um IPO. Manda quem tem dinheiro.

Toy Story foi lançado em 22 de novembro de 1995 e foi um sucesso de crítica e bilheteria. No dia 29 de novembro a Pixar fez seu IPO, o maior do ano, dando à empresa um valor de US$1.5bi e colocando Steve Jobs, dono de 80% da companhia, no clube dos bilionários. Algumas semanas depois do IPO o que Jobs havia previsto aconteceu. A Disney pediu para estender o contrato, no entanto a Pixar conseguiu termos melhores. Cada empresa financiaria 50% dos custos dos filmes, a Disney faria a distribuição e marketing e os lucros seriam distribuídos meio a meio por 5 filmes.

E agora?

Para Ed Catmull, Toy Story foi a realização de um sonho que demorou 20 anos para se tornar realidade. A Pixar até ganhou um Oscar especial da academia. No entanto, ele se viu um pouco triste e sem rumo. O que voce faz depois que realiza o sonho da sua vida? Bom, você arranja um novo. Para Catmull, seria fazer da Pixar uma empresa com uma cultura sustentável de criatividade. Ele iria proteger a empresa das forças que recorrentemente destroem empresas inovadoras.

Como fazer isso? Utilizando os aprendizados que teve na vida:

  • Da Universidade de Utah o ambiente colegial e colaborativo, gerenciando a tensão entre a contribuição individual e a alavancagem que um grupo tem trabalhando em conjunto

  • De George Lucas a praticidade e a criação de um ambiente isolado e protegido de forças externas, além do foco em tecnologia

  • De Steve Jobs o foco em criar excelentes produtos e não aceitar mediocridade

O que importa mais? Boas Pessoas ou Boas Ideias? Essa é uma dicotomia falsa. Ideias vem de pessoas, portanto elas são mais importantes. O foco da Pixar está primeiro em pessoas. Se você der uma boa ideia para um time medíocre, eles vão estragá-la. De uma ideia medíocre para um time excelente, eles vão consertá-la. Focar nas pessoas e na química entre elas, pois até as melhores pessoas podem não ser um bom time juntas.

Segundo é reconhecer uma dura verdade: todos os filmes começam ruins. O trabalho é transformá-lo em algo bom. A criatividade precisa começar em algum lugar e o processo de melhora é baseado em feedback. Um ambiente em que as pessoas dão e recebem feedback sem medo precisa de confiança. O objetivo não é fazer algo fácil, mas sim excelente e o processo é trabalhoso. Quando os problemas aparecem, todo o time precisa se unir para resolvê-lo.

A Pixar me lembra muito do meu MBA em Stanford: no primeiro dia, na primeira aula, o reitor resume o MBA em uma frase: o feedback é um presente.

O principal componente do processo é o Braintrust, uma reunião semanal em que todo o filme é analisado e feedbacks são passados ao diretor. Toda pessoa liderando um processo criativo se perde em algum momento. Onde antes estava uma floresta, agora se vê apenas as árvores. O Braintrust é para resolver isso. Steve Jobs não participava dessa reunião, pois sua personalidade e persona era muito forte e poderia distorcer o processo todo.

A Pixar busca resolver crises logo que elas começam e estão pequenas. Falhar não é um problema, é parte do processo. No entanto, se uma pessoa não está conseguindo resolver um grande problema, ela precisa ser substituída. A Pixar já substituiu vários diretores no meio da criação de seus filmes.

O prédio da Pixar foi desenhado para inspirar colaboração. Tive o privilégio de visitá-lo durante meu meu MBA.

A compra pela Disney

A relação entre a Disney e Pixar começou a azedar quando Michael Eisner quis estender o acordo entre as empresas de 5 filmes para 6. Em sua opinião, o fato de Toy Story 2 ser uma continuação “não contava” para o acordo. Jobs ficou furioso. Eram duas pessoas egocêntricas e poderosas indo uma contra a outra. Em paralelo, dado que a Disney era dona dos direitos dos personagens, ela começou a produzir projetos utilizando os personagens da Pixar sem seu envolvimento. Isso gerou uma quebra de confiança com a equipe criativa. Até 2004 a Pixar só tinha produzido sucessos comerciais e de crítica. A empresa anunciou que após o final do contrato ela buscaria um novo parceiro e “nunca mais faria negócios com a Disney”.

Em 2005 Michael Eisner deixou o cargo de CEO da Disney e foi substituído por Bob Iger. Com um estilo conciliador, discreto e charmoso, tão logo ele assumiu a posição, fez uma visita a Disney Hong Kong e percebeu que as crianças se animavam mais com os personagens da Pixar do que da Disney. Isso era um risco. Ele mandou uma mensagem de texto para Steve Jobs: “estou com uma ideia maluca”. Jobs pediu para ele ligar na hora. “Acho que a Disney deveria comprar a Pixar”, ao que Jobs respondeu “essa não é uma ideia tão maluca assim”.

Em 2006 a Disney e Pixar anunciam o acordo em que por US$7.4bi a Disney compraria a Pixar. Iger foi inteligente ao deixar a Pixar propor os termos operacionais. Catmull fez uma lista de elementos importantes para manter a cultura da empresa. De coisas simples, como o endereço de email dos funcionários da Pixar não mudaria e não existiria integração operacional (ex: o RH e Contabilidade é separado até hoje), até pontos estratégicos, como o ritmo de lançamentos de filmes, tudo foi ditado pela Pixar. Jobs se tornou o maior acionista individual da Disney, com c.US$4bi.

A Pixar continuou desenvolvendo bons filmes. Eventualmente acabou errando, algo que nunca tinha acontecido antes da aquisição, o que é creditado ao aumento de lançamentos e fricções pós-aquisição. Alguns projetos como o escritório da Pixar no Canadá também não deram certo. Dores do crescimento e aumento de complexidade.

No entanto, a empresa continuou a ser uma casa de excelência e tão importante quanto foi a “exportação de sua cultura”. Ed Catmull e John Lasseter passaram a ser presidente e Chief Creative Officer tanto da Pixar quanto do estúdio de animação da própria Disney. Filmes como Frozen e Zootopia, feitos pela Disney Animation, tiveram forte influência da cultura da Pixar. O Disney Animation tem até sua própria versão do Braintrust.

Hoje, 17 anos depois da aquisição, basta visitar um parque da Disney para ver a importância da Pixar. A empresa hoje vive um momento diferente, dado que já fez duas mudanças geracionais, mas com uma cultura tão enraizada e vendo seus últimos filmes, eu apostaria que continuaremos a assistir muita coisa da Pixar aqui na minha casa.

Grande abraço,

Edu

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