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Olá, pessoal! No futuro próximo, será necessário assumir maiores riscos técnicos para criar grandes empresas de tecnologia. OpenAI, Anduril e SpaceX são ótimos exemplos.

O empreendedorismo esta se movendo para a fronteira tecnológica. Isso é motivado pelos avanços recentes em múltiplos setores: IA, Tecnologias Climáticas, Energia Nuclear, Espaço e Biotecnologia. Paralelamente, com casos de sucesso, cresce o interesse de investidores.

Para concluir a série sobre Economia Espacial, vou cobrir a Varda e apresentar frameworkspara para criar empresas de alta tecnologia.

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Se tiver apenas um minuto, segue o resumo:


  • Deep Techs são empresas que utilizam a ciência para transformar o que é escasso em abundante, superando grandes desafios científicos e de engenharia

  • Elas podem ser ótimos negócios: possuem produtos inovadores, com IP proprietária. Atuam em mercados novos, sem competidores diretos ou produtos substitutos à vista. As barreiras de entrada são elevadas, e os fornecedores tendem a atuar em um espírito de parceria

  • Existem três conceitos essenciais para criar uma Deep Tech:(i) Timing; (ii) Planejar, Comunicar e Entregar e (iii) Captação e Monetização

  • Atualmente múltiplos setores estão passando por evoluções, abrindo espaço para novas empresas: IA, Tecnologias Climáticas, Energia Nuclear, Espaço, Biotecnologia e Blockchain.


Quando a Ciência Encontra os Negócios

Nas últimas duas décadas, os investidores concentraram-se em software na nuvem e mobile. No entanto, essa tendência tem mudado nos últimos cinco anos. A Inteligência Artificial é o exemplo mais notório. Outros setores “não-tradicionais” para investidores de tecnologia também têm experimentado um desenvolvimento acelerado. Exemplos incluem Tecnologias Climáticas, Energia Nuclear, Espaço e Biotecnologia, as chamadas “Deep Techs”.

Por anos, este setor foi considerado o patinho feio do Venture Capital. Atualmente, uma nova geração de empreendedores, inspirados por figuras como Edwin Landm, Akio Morita, Henry Ford e Elon Musk, está liderando o caminho para transformações significativas na sociedade.

Nos últimos meses, tenho escrito bastante sobre o tema: Inteligência Artificial, Biotecnologia, Longevidade, Fusão Nuclear, Tesla, Anduril, TSMC, Nvidia e SpaceX.

Mas, o que exatamente significa “Deep Tech”?

Para mim, são empresas que utilizam a ciência para transformar o que é escasso em abundante, superando grandes desafios científicos e de engenharia. Tal progresso geralmente resulta em avanços significativos na nossa capacidade de fazer coisas, possibilitando o surgimento de novos negócios.

Diferentemente das startups de tecnologia mais convencionais, que focam em melhorias incrementais ou aplicações de software, as Deep Techs enfrentam desafios complexos com soluções inovadoras que têm o potencial de alterar significativamente mercados e indústrias.

Estas empresas são centros de inovação científica e de engenharia, o que implica duas principais consequências: (1) longos períodos de desenvolvimento e (2) uma alta demanda por capital financeiro e humano. Embora eu já tenha escrito que buscar investimentos não é o caminho óbvio para todas as empresas, no caso das Deep Techs, isso é absolutamente essencial.

As Deep Techs também têm o potencial de causar impactos significativos na sociedade, economia e meio ambiente. São empresas nas quais se investe com a expectativa de altos retornos. Um exemplo é a Moderna, empresa de biotecnologia que foi uma das primeiras a disponibilizar uma vacina contra a COVID-19 no mercado.

Por que fazer uma empresa difícil?

Vamos considerar o cenário oposto: suponha que você fundou uma empresa fácil. Por fácil, digo uma empresa que faz um serviço ou produto de baixa complexidade e que pode ser rapidamente replicável por outros.

Primeiro problema: o valor criado para a sociedade é mínimo. Segundo problema: com muita competição, é difícil capturar uma parte do valor criado para si. Além disso, é preciso lidar com a rotina diária de trabalhar em uma empresa com poucos diferenciais ou barreiras de entrada. Como diz minha esposa: “Tudo é stressante, então vamos trabalhar em coisas em que vale a pena o stress”.

Construir empresas de tecnologia sempre foi difícil. Nos últimos 20 anos, com o surgimento da computação em nuvem e dos smartphones, tornou-se mais fácil iniciar uma startup. Por exemplo, em vez de investir em servidores físicos, qualquer pessoa pode agora utilizar serviços de nuvem como o AWS. Para marketing, não é preciso de milhões para anunciar na televisão. Basta criar boas campanhas em redes sociais.

Por fim, as ingremes curvas de adoção das tecnologias de nuvem e mobile, somadas a um modelo eficiente de consumo de capital, geraram um valor sem precedentes para os empreendedores e investidores.

Não estou sendo hiperbólico. Algumas das maiores empresas da história da humanidade são empresas de tecnologia baseadas nestas duas plataformas. Apple, Microsoft, Google, Facebook e Amazon tem valuations trilionários. Entre os disruptores, Uber, Airbnb e Bytedance atingiram valuations de dezenas de bilhões com poucos anos de operação.

O problema é que a concorrência aumentou. Empreender nessas plataformas é cada vez mais desafiador.

Os empreendedores digitais de 2024 estão lançando um número cada vez maior de empresas que, no lado B2C, competem por uma atenção cada vez menos disponível do consumidor. No lado B2B, os orçamento empresariais estão cada vez mais concentrados nas mãos dos incumbentes.

É neste contexto que as Deep Techs chamam atenção. Elas possuem produtos inovadores, com anos de desenvolvimento protegendo sua propriedade intelectual. Atuam em mercados novos, sem competidores diretos ou produtos substitutos à vista. As barreiras de entrada são elevadas, e os fornecedores tendem a atuar em um espírito de parceria, ao invés de competição. Num grande mercado, existe uma oportunidade real de deixar um legado significativo na sociedade. Em resumo:

As Deep Techs são ótimos negócios, se você conseguir construí-las.

Como Criar uma Deep Tech

Os desafios para fundar uma Deep Tech são enormes. Inicialmente, há o risco técnico e/ou científico. O número de profissionais capazes de trabalhar com uma nova tecnologia é limitado. Devido à complexidade dos produtos, os compradores tendem a ser cautelosos. É necessário arrecadar uma quantidade significativa de dinheiro para financiar Pesquisa e Desenvolvimento. E a lista continua.

Minha experiência com Deep Techs veio quando fui diretor no Capricorn, um investidor tradicional em empresas na vanguarda do conhecimento. Lá aprendi o seguinte framework. Existem três conceitos essenciais para um empreendedor de Deep Tech:

  1. Timing

  2. Planejar, Comunicar e Entregar

  3. Captação e Monetização

Vou usar o caso da Varda para explicar esse framework. A Varda é uma das startups mais ambiciosas que já conheci. É uma empresa que atua simultaneamente nas áreas espacial, biotecnológica e de testes hipersônicos.

A Varda Space Industries projeta, constrói e opera espaçonaves destinadas à fabricação de materiais em microgravidade. Seu objetivo é produzir materiais no Espaço que são difíceis de serem criados na Terra, retornando esses materiais para o planeta com sua cápsula de reentrada atmosférica.

1) Timing

A primeira lição para um empreendedor de Deep Tech é identificar o momento certo para lançar a empresa. Não basta desenvolver uma nova tecnologia no vácuo. É crucial entender o contexto.

É preciso responder à pergunta “Por que agora é o momento certo?“. Normalmente a resposta é algo do tipo: “O processo X era impossível. Devido ao surgimento da tecnologia Y, este processo talvez seja possível. Se eu desenvolvê-lo primeiro, posso ganhar o mercado e ser o player dominante”. No caso da Varda, a resposta foi a redução no custo de transporte para o Espaço.

Com os avanços da SpaceX, o custo por quilo para enviar cargas ao Espaço caiu de US$66.000 para menos de US$3.000, com a expectativa de redução para abaixo de US$500 no futuro próximo. Isso tornou o Espaço mais acessível do que nunca.

A Varda foi fundada na expectativa de que o custo de transporte de cargas ao Espaço continue caindo. Se essa expectativa não se concretizar, a empresa não vai funcionar. Por outro lado, esperar mais tempo significaria enfrentar competidores mais bem financiados e na frente no desenvolvimento de produto.

Conforme o custo de transporte espacial cai, surge a pergunta: o que podemos fazer no Espaço? Indústria, é uma das potenciais respostas. Mas, fabricar o quê?

Bem, já que vamos levar algo até o Espaço para ser fabricado, melhor que seja algo de alto valor agregado. Atualmente, os três produtos de maior valor por quilo são: (i) chips de computador; (ii) produtos farmacêuticos; (iii) cabos de fibra óptica ultraeficientes.

Quando expliquei ao meu pai que a Varda planeja construir uma fábrica no Espaço, ele perguntou: “Por que eles não fazem uma fábrica aqui em São Bernardo?”. Ótima pergunta. Deixe-me responder com outra:

Em que temperatura a água evapora?

Se você fizer essa pergunta a um aluno de ensino médio, ele responderá: 100 graus celsius. Se perguntar à um engenheiro, a resposta será “depende”. De vários fatores, para ser exato: pressão atmosférica, fonte de calor, superfície de evaporação, quantidade de impurezas, gravidade, entre outros.

Isso significa que, alterando essas variáveis, a água não evapora a 100 graus. Pode ser acima ou abaixo disso. A engenharia química foca em manipular as variáveis de um processo para obter resultados diferentes.

 

Variação da temperatura em que a água evapora de acordo com a pressão aplicada

 

Existe, no entanto, uma variável importante que não conseguimos alterar: a gravidade, que é relativamente a mesma em todo o planeta.

Mas e se pudéssemos “desligar” a gravidade?

Os fundadores da Varda tiveram a seguinte ideia: se conseguissem levar os equipamentos necessários para realizar um processo químico no Espaço, poderiam testar se a ausência de gravidade influenciaria o resultado.

A pesquisa acadêmica, baseada em experimentos realizados na Estação Espacial Internacional, confirmou a hipótese. Sem gravidade, a convecção e sedimentação, dois fenômenos importantes na criação de novos produtos, não acontecem. Uma série de novas possibilidades se abrem. Uma delas é a cristalização de proteínas de uma forma que não é possível na Terra. Isso tem aplicações diretas na indústria farmacêutica, um mercado grande e de alto valor.

A hipótese era: acessar o Espaço nunca foi tão barato. O poder computacional permite à indústria farmacêutica fazer milhões de simulações de novos compostos. As simulações de maior potencial podem ser testadas e fabricadas no Espaço. Para isso, é preciso criar o equipamento para fazer a fabricação de compostos de alto valor agregado no Espaço e para trazê-los sem que estraguem.

Era o bastante para os fundadores da Varda começarem a empresa.

 

Capsula da Varda sendo preparada

 


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2) Planejar, Comunicar e Entregar

Ser um empreendedor em Deep Tech é como ser um equilibrista. Por um lado, é preciso montar uma equipe altamente técnica e realizar os investimentos necessários. Por outro, é essencial estabelecer e atingir marcos técnicos viáveis e comunicá-los eficazmente aos investidores.

Embora a ideia de planejar as ações de uma empresa com base nas expectativas dos investidores não me agrade, na realidade das Deep Techs, esse é frequentemente o caso.

O procedimento operacional padrão segue aproximadamente esta sequência:

  1. O empreendedor obtém financiamento, definindo marcos técnicos a serem alcançados

  2. Após recrutar talento técnico e atingir esses marcos, o empreendedor busca mais capital

  3. Com o capital adicional, a equipe realiza pesquisas de mercado para compreender a demanda específica por seu produto futuro. O foco do desenvolvimento do produto é ajustado, e mais recursos são captados. Esse ciclo se repete várias vezes

  4. Eventualmente, a empresa consegue assinar contratos de venda e monetizar seu produto

No exemplo da Varda, um dos fundadores, Delian Asparouhov, veio de um fundo de Venture Capital. Ele recrutou como cofundador um ex-executivo da SpaceX, Will Bruey, que se tornou CEO.

Cada Deep Tech tem suas exigências específicas, tanto em termos de talento técnico quanto de planejamento e marcos técnicos.

 

Capsula da Vara sendo recuperada depois do pouso

 

Para a Varda, as três habilidades essenciais que a equipe precisava eram: (1) Fabricar no Espaço; (2) Retornar a carga à Terra; (3) Vender esse serviço para alguém que queira.

Will e Delian formaram uma equipe altamente experiente com mais de 70 engenheiros. Os fundadores também estabeleceram vários marcos técnicos, tais como:

  • Finalizar o estudo dos motores nos primeiros três meses.

  • Concluir a revisão preliminar do design da nave espacial e da cápsula até o final do primeiro ano.

  • Realizar o primeiro voo de teste.

Após alcançar esses marcos, a empresa captou a Série A. Will e Delian colocaram um senso de urgência na equipe. O cronograma era baseado no número de dias desde o início da empresa. Em uma entrevista, Delian mencionou: “Estamos no dia 452 e precisamos concluir X, Y e Z até o dia 480”. Um dos valores da empresa é “Os trens partem no horário”.

3) Captação e Monetização

É crucial para uma Deep Tech compreender a linguagem dos investidores e seus incentivos. Um fundo Venture Capital tem o objetivo de retornar o capital investido aos seus clientes em cerca de dez anos. Considerando que leva de dois a três anos para realizar os primeiros investimentos, isso significa que, após investir em uma startup, o fundo espera obter retorno em sete a oito anos.

Para que um fundo possa vender sua participação em uma empresa de Deep Tech dentro do prazo do fundo, a startup precisa começar a gerar receita por volta do terceiro ano depois do investimento.

Isso implica que uma Deep Tech não pode se limitar ao desenvolvimento de seus produtos indefinidamente; é necessário comercializá-los dentro de um prazo razoável.

É importante destacar que a meta é alcançar a monetização. Não necessariamente significa “monetização com o produto final”. Se a Deep Tech conseguir gerar receita a partir de partes de seu produto, ou vendendo algum serviço ou tecnologia que esteja pronto antecipadamente, já esta valendo.

Encontrando a própria Sorte

O principal objetivo da Varda é a fabricação de produtos no espaço. A empresa planeja colocar cápsulas em órbita que, ao longo de períodos de 30 a 60 dias, produzirão compostos químicos. Após a conclusão do processo químico, as cápsulas retornarão à Terra. De maneira simplificada, o processo envolve quatro elementos principais:

  • Veículo de lançamento, que a Varda terceiriza para a SpaceX

  • Ônibus de lançamento, adquirido da RocketLab

  • Módulo de fabricação, feito pela Varda

  • Cápsula de reentrada, também feito pela empresa

Os fundadores da Varda sabiam da necessidade de gerar vendas. No desenvolvimento de seus produtos, a cápsula estaria pronta antes do módulo de fabricação. A ideia era monetizá-la.

Recentemente, a Varda divulgou um vídeo da cápsula reentrando na atmosfera. É lindo de ver.

Em agosto de 2021, a China testou um míssil nuclear hipersônico, causando preocupação no Departamento de Defesa dos EUA. O sistema de defesa americano não estava preparado para mísseis dessa natureza. Seria preciso desenvolver a capacidade defensiva e ofensiva em tecnologia hipersônica. A simulação de voos hipersônicos na Terra é extremamente desafiadora, e o custo de utilizar uma cápsula Dragon da SpaceX para tais testes seria proibitivo.

Foi então que a Varda viu uma oportunidade, oferecendo suas cápsulas, que são mais acessíveis financeiramente em comparação com as da SpaceX e capazes de atingir altas velocidades hipersônicas durante a reentrada.

A Varda propôs à Força Aérea a utilização do período de reentrada para que ela pudesse realizar uma série de testes. Isso seria feito após a conclusão dos testes com o módulo de produção. O custo seria viável. O governo aprovou e firmou um contrato de US$60 milhões com a Varda. A empresa chamou essa linha de receita de “Reentrada como Serviço”.

Em termos de captação de recursos, a Varda já arrecadou mais de US$150 milhões de investidores renomados do Vale do Silício.

Deep Techs são Importantes

Após décadas de progresso científico liderado pelo governo, as startups de deeptech estão tomando à frente do movimento. Já houve uma passada de bastão do setor público para o privado nos últimos anos.

O ponto é que as startups Deep Tech trazem uma disposição a tomada de risco que é difícil de encontrar nas grandes companhias. Essas startups se apoiam em pesquisas acadêmicas e governamentais, além de apoio financeiro do terceiro setor e governo, para conduzir uma agenda de inovação.

As Deep Techs também estão empoderadas pelos inúmeros casos de sucesso no setor. Capital e casos de sucesso atrai talento, criando um círculo virtuoso.

Grande abraço,

Edu

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