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Olá, pessoal! A Inteligência Artificial está prestes a colocar em nossas mãos ferramentas capazes de criar filmes com qualidade equivalente às melhores produções de Hollywood.

Estamos presenciando o início da democratização do cinema ou estamos diante do fim da nossa evolução artística? No futuro, será que consumiremos exclusivamente conteúdos criados por computadores?

Na jornada para encontrar respostas a essas perguntas, encontrei inspiração no meu pintor favorito: Van Gogh.

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Se tiver apenas um minuto, segue o resumo:


  • A Sora, nova ferramenta da OpenAI, reduz drasticamente o custo de produção de vídeos e isso terá impactos profundos na sociedade. Para tentar entendê-los, podemos olhar para o impacto da tecnologia de fotografia

  • Não é exagero afirmar que a fotografia desempenhou um papel indireto no desenvolvimento da arte moderna e pós-moderna tal como a conhecemos. Com a capacidade das câmeras de criar imagens realistas rapidamente, os artistas buscaram novas formas de expressão, afastando-se da representação realista

  • Van Gogh pintou em “A Noite Estrelada” não o que viu, mas o que sentiu. Essa obra transcende uma mera representação da realidade, servindo como um lembrete de que arte é a realidade filtrada pelos sentidos do artista

  • Como nos diferenciaremos em um mundo onde a criação de conteúdo está democratizada? Investindo em nós mesmos, aprendendo a expressar e viver de maneira mais rica, e a traduzir experiências em trabalhos criativos. A tecnologia substituirá o replicável, mas só o ser humano pode expressar sentimentos e emoções


Textos, Imagens e Vídeos

No mês passado, fomos apresentados a um novo produto da OpenAI. A Sora é um modelo de inteligência artificial capaz de criar vídeos de até um minuto a partir de descrições em texto, conhecidos como prompts. Descrever essa capacidade em palavras é um desafio, então seguem alguns exemplos disponíveis no site da empresa:

Prompt: Vários mamutes gigantes se aproximam, caminhando por um prado nevado, seus longos pelos lanosos levemente balançam ao vento enquanto caminham, árvores cobertas de neve e montanhas dramáticas com picos nevados ao longe, a luz da tarde com nuvens esvoaçantes e um sol alto ao longe cria um brilho quente, a vista baixa da câmera é deslumbrante capturando o grande mamífero peludo com bela fotografia e profundidade de campo.

Prompt: Vista de drone das ondas quebrando contra os penhascos ásperos ao longo da praia do ponto Garay em Big Sur. As águas azuis que se quebram criam ondas com pontas brancas, enquanto a luz dourada do sol poente ilumina a costa rochosa. Uma pequena ilha com um farol situa-se ao longe, e arbustos verdes cobrem a borda do penhasco. A queda íngreme da estrada até a praia é uma façanha dramática, com as bordas do penhasco projetando-se sobre o mar. Esta é uma vista que captura a beleza bruta da costa e a paisagem acidentada da Pacific Coast Highway.

Prompt: Close-up extremo do olho de uma mulher de 24 anos piscando, de pé em Marrakech durante a hora mágica, filmagem cinematográfica em 70mm, profundidade de campo, cores vivas, cinematográfico.

A ferramenta ainda não foi lançada oficialmente, mas em poucos meses estará disponível para qualquer pessoa interessada em utilizá-la. Ao assistir a esses vídeos, me lembrei da frase do autor de ficção científica Arthur C. Clarke: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia.

Sou um apaixonado por filmes. Após assistir a um, eu busco documentários que revelam os bastidores da produção. Posso passar uma tarde inteira me divertindo com as histórias sobre a construção dos cenários do novo filme de Duna e os desafios logísticos de filmagens no deserto.

Set do Filme Duna Parte 2

 

Produzir cinema é uma tarefa difícil e cara, tanto para filmes live action quanto para animações. No artigo do bsb sobre Pixar, mencionei que o processo de criação de um filme leva, em média, quatro anos. A renderização de um único quadro – processo que converte imagens bidimensionais em tridimensionais – pode levar até 24 horas. Considerando que um filme possui 24 quadros por segundo, para um longa de uma hora e quarenta minutos, seriam necessários mais de 400 anos para completar apenas o processo de renderização.

No caso da Pixar, a empresa utiliza mais de 2.000 computadores operando em paralelo, o que acelera significativamente o processo. Essa rede de computadores é tão poderosa que figura entre os 25 supercomputadores mais potentes do mundo.

Processo de Renderização

 

Toda onda de inovação tecnológica é desencadeada por algo inicialmente caro, mas que eventualmente se torna significativamente mais acessível. No contexto da Inteligência Artificial, o conteúdo é um dos primeiros produtos a ser drasticamente barateado.

O ChatGPT tem reduzido o custo associado ao processo de ideação e elaboração de roteiros. Com a Sora, o custo de produção de um filme, especialmente os gastos com gravação, que geralmente são os mais elevados, torna-se praticamente insignificante.

Em resumo, a Sora é uma ferramenta que reduz drasticamente o custo de produção de vídeos.

Por exemplo, os artistas não precisarão mais viajar para locais exóticos. Se desejarem filmar em um deserto semelhante ao do filme Duna, basta especificá-lo no prompt.

Uma das primeiras preocupações que surgem com o advento de uma nova tecnologia é o seu impacto econômico. A indústria do entretenimento, que emprega dezenas de milhares de pessoas, já está respondendo a essas mudanças. A greve de Hollywood, também abordada em um artigo do bsb, foi uma das primeiras manifestações em reação a esta tecnologia.

No Brasil, dubladores criaram um movimento reivindicando a regulamentação do uso de inteligência artificial em filmes e outras produções audiovisuais. A preocupação do setor é que artistas humanos sejam substituídos por sistemas capazes de imitar vozes reais, utilizando padrões vocais identificados em registros disponíveis na internet.

Essas preocupações são legítimas. Existem impactos de curto prazo previsíveis. Dublagem é algo que IA já nos mostrou que consegue fazer muito bem, como o vídeo do discurso do presidente da Argentina, Javier Milei, abaixo nos mostra.

Seu discurso inteiro foi dublado para inglês com sua voz e sotaque usando IA. No entanto, ainda é incerto como a IA transformará a indústria de criação de conteúdo a longo prazo.

Diante de algo tão incerto, tentei traçar algum paralelo com uma situação parecida do passado. O nascimento da câmera fotográfica traz boas analogias com o surgimento de IA e seu impacto na arte.

A Câmera e a Liberdade Artística

Em 1839, o mundo testemunhou o desenvolvimento da primeira câmera fotográfica destinada ao uso comercial: a câmera Daguerre, nomeada em homenagem ao artista e inventor francês Louis Daguerre.

Embora a câmera Daguerre exigisse 30 minutos de exposição à luz para produzir uma fotografia, esse tempo era significativamente menor do que as horas necessárias para os dispositivos fotográficos das primeiras décadas do século XIX.

Abaixo uma imagem da câmera, na esquerda uma imagem do próprio Daguerre e à direita aquela que se acredita ser a primeira fotografia de um rosto humano.

A inovação da câmera reduziu drasticamente o custo de produção de um retrato e de captura de imagens da vida real. Até então, a forma convencional de obter “um retrato” era encomendá-lo a um pintor.

A pintura de retratos, especialmente de pessoas comuns, não era considerada uma tarefa glamourosa, assemelhando-se mais a um ofício, como a carpintaria, do que a uma arte. O prestígio maior para os artistas residia na pintura de cenários e figuras históricas.

Nos dez anos seguintes à invenção, mais de 100 mil parisienses haviam posado para retratos com a câmera. Isso indica que a tecnologia efetivamente substituiu uma das funções artísticas mais práticas.

O lado negativo é que artistas que não se adaptaram à fotografia perderam uma fonte de renda. Por outro lado, a fotografia democratizou um serviço antes exclusivo das elites, além de liberar muitos artistas para explorarem novas técnicas de pintura.

Importante também mencionar o impacto da fotografia além das artes. Sua capacidade documental tornou-a uma ferramenta poderosa para a persuasão pública. Ao documentar o sofrimento humano, a fotografia contribuiu para o surgimento da filantropia moderna.

Embora a tecnologia da câmera estivesse disponível há décadas, foi somente a partir da década de 1870 que seu impacto artístico se tornou evidente. Uma geração de artistas cresceu considerando a fotografia uma parte integrante de suas vidas, e nesse período, também ocorreram vários avanços na ciência óptica.

A fotografia foi uma força motriz por trás do Impressionismo. Com a capacidade das câmeras de criar imagens realistas rapidamente, os artistas buscaram novas formas de expressão, afastando-se da representação realista.

Pintores como Claude Monet, Vincent Van Gogh, e Pierre-Auguste Renoir migraram do realismo para o impressionismo, enfocando na transmissão de emoções humanas mais do que na simples reprodução da realidade. Esse movimento permitiu aos pintores se concentrarem no que as câmeras não podiam capturar, inspirando o surgimento do impressionismo como um movimento artístico revolucionário.

“Impressão, Nascer do Sol”, pintado por Claude Monet em 1872

 

Por exemplo, com um entendimento avançado sobre cor, os impressionistas sabiam que colocar áreas de cor pura lado a lado poderia criar um efeito visual mesclado na percepção do observador.

Eles passaram a enfatizar a natureza subjetiva da arte, mostrando que ela representa não uma percepção universal, mas sim uma experiência individual e momentânea traduzida em pintura. Esse processo transformou a arte para sempre.

O impressionismo foi o precursor dos muitos “ismos” da vanguarda artística, que levou ao alto modernismo, ao cubismo e, finalmente, à abstração completa em meados do século XX.

Não é exagero afirmar que a fotografia desempenhou um papel indireto no desenvolvimento da arte moderna e pós-moderna tal como a conhecemos.


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Vincent Van Gogh

Van Gogh, auto retrato

 

O pintor holandês Vincent Van Gogh nasceu em 1853 na Holanda e demonstrou uma paixão pela arte desde a juventude. Lutando contra problemas de saúde mental ao longo de sua vida, ele enfrentou dificuldades para manter empregos e teve uma existência tumultuada. Aos 28 anos, havia se mudado novamente para a casa dos pais.

Com o suporte financeiro e emocional de seu irmão mais novo, Theo, Van Gogh começou a levar a pintura mais a sério.

As suas primeiras obras focavam em estudos de personagens e paisagens. Em comparação com suas obras mais celebradas, estas primeiras pinturas apresentavam uma paleta de cores mais limitada.

No entanto, esse estilo mais sóbrio estava em linha com a arte da época, que valorizava a representação realista de cenas.

Em 1886, Van Gogh mudou-se para Paris com seu irmão. Na França, teve contato com as obras de Monet e outros impressionistas, o que o levou a adotar uma paleta de cores mais vibrante e a desenvolver um estilo de arte que refletia sua percepção pessoal do mundo.

Infelizmente, Van Gogh sofreu um novo colapso mental, resultando no trágico episódio em que ele se automutilou, cortando sua própria orelha. Ele passou meses em um hospital antes de se internar voluntariamente em uma instituição psiquiátrica em Saint-Rémy, França, em 1889.

Durante sua estadia no asilo, que adotava uma abordagem progressista para o tratamento de pacientes, o contato com a natureza era estimulado. Van Gogh viveu um período de intensa produtividade artística, criando cerca de 150 pinturas em um ano.

A Noite Estrelada

Em 23 de junho de 1889, Vincent Van Gogh criou sua obra mais icônica, “A Noite Estrelada”.

A Noite Estrelada

 

Alguns aspectos merecem destaque: Van Gogh pintou “A Noite Estrelada” de memória, em um estúdio. Há uma teoria de que os efeitos colaterais de um medicamento para epilepsia podem ter influenciado a predominância da cor amarela na obra.

Em uma carta ao pintor francês Emile Bernard, Van Gogh mencionou que considerava “A Noite Estrelada” um fracasso por ser muito abstrata e irrealista.

Quatorze meses após concluir “A Noite Estrelada”, Van Gogh morreu por suicídio aos 37 anos, tendo vendido apenas uma pintura em vida.

Hoje, “A Noite Estrelada” está exposta no Museu de Arte Moderna (MoMA) em Nova York, sendo a terceira obra mais visitada do mundo, superada apenas pela Mona Lisa e pela Capela Sistina.

“A Noite Estrelada” e a Inteligência Artificial

Van Gogh capturou em “A Noite Estrelada” não o que viu, mas o que sentiu. Essa obra transcende uma mera representação da realidade, servindo como um lembrete de que arte é a realidade filtrada pelos sentidos do artista. A fotografia documental não exige um artista, mas “A Noite Estrelada” sim.

Essa reflexão nos ensina sobre os avanços em Inteligência Artificial Generativa. Assim como a invenção da câmera alterou a prática artística, ferramentas como DALL-E e Sora transformarão a criação artística. Acredito que a IA potencializará nossa criatividade ao invés de substituí-la, transformando todos em potenciais artistas e tornando a criação artística mais acessível.

Atualmente, para produzir um filme de sucesso, é preciso uma carreira de décadas. Em Hollywood, apenas alguns diretores têm controle final sobre suas obras. Ferramentas como a Sora democratizarão esse poder.

Isso me faz pensar em “Ratatouille”, onde o crítico Anton Ego diz: “Nem todos podem se tornar grandes artistas, mas um grande artista pode vir de qualquer lugar”.

Como nos diferenciaremos em um mundo onde a criação de conteúdo está democratizada? Investindo em nós mesmos, aprendendo a expressar e viver de maneira mais rica, e a traduzir experiências em trabalhos criativos. A tecnologia substituirá o replicável, mas só o ser humano pode expressar sentimentos e emoções.

Como será a arte em um mundo de IA?

Vou me permitir uma certa especulação. Eu acredito que a Inteligência Artificial nos conduzirá a uma era de “mídia infinita”. A IA se tornará uma criadora capaz, instantânea e econômica, permitindo que qualquer tipo de mídia, seja filme, quadrinho ou romance, seja produzido sob demanda, ad infinitum.

Economicamente, as empresas que possuem grandes propriedades intelectuais deverão se beneficiar. Elas poderão produzir novo conteúdo a um custo significativamente menor em comparação com os orçamentos astronômicos de produções como “Os Vingadores”, que demandam centenas de milhões de dólares.

A arte produzida por IA tem o potencial de nos satisfazer e mimar, pois será criada para atender especificamente aos nossos gostos. Contudo, enfrentamos o risco de sermos menos desafiados por ela. Teremos que buscar proativamente conteúdos que nos provoquem desconforto e estimulem a reflexão.

Existe, ainda, o risco de um crescente isolamento. As referências culturais compartilhadas, que servem como um tecido que une a sociedade, podem se desvanecer. Décadas atrás, a escassez de fontes de mídia significava que as pessoas consumiam basicamente o mesmo jornal, assistiam aos mesmos programas de TV e liam os mesmos livros — era o chamado mainstream.

A internet já alterou essa dinâmica, diversificando as fontes de conteúdo e fragmentando a atenção do público nas redes sociais, mas ainda existem alguns pontos culturais compartilhados. Se o custo da mídia se tornar insignificante, cada indivíduo poderá consumir conteúdos completamente distintos, potencialmente acentuando sentimentos de solidão e distanciamento.

Mas isso são apenas especulações, que espero tenham feito você, caro leitor, sentir alguma coisa.

Grande abraço,

Edu

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