Oi pessoal! Semana passada foi meu aniversário, mas vou poupá-los de um texto retrospectivo. Estou trabalhando para construir a nova versão do bsb que vai ao ar semana que vem! Muito animado para mostrar a vocês!

Tendo estudado e trabalhado no Vale do Silício por vários anos, gostaria de contar a história dessa região para vocês.

Se tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:


  • A Califórnia é uma região com uma cultura de auto suficiência. A Universidade de Stanford, um centro de excelência, é uma expressão desse desejo
  • O Prof. Frederick Terman transformou Stanford, ajudando-a a acessar importantes financiamentos do governo e depois mudou as regras da Universidade em direção ao empreendedorismo
  • William Shockley escolheu montar seu laboratório na região por acaso. Foi uma das decisões mais consequentes do mundo de tecnologia
  • Os Oito Traidores criaram a primeira startup, a Fairchild Semiconductor. Seus alumni foram fundadores das principais empresas do Vale nos anos 60
  • Investidores-empreendedores criaram uma inovação financeira: os fundos de venture capital e fecharam o elo que faltava
  • Capital, talento, clientes, excelência universitária, qualidade de vida e cultura empreendedora, o Vale continua sendo líder a cada novo ciclo computacional

De Presidente à Prefeitos, no mundo todo, sonham em replicar o Vale do Silício em sua terra natal. São Polos de Empreendedorismo, Programas de Aceleração, Campus e intermináveis consultorias de inovação tentando. No entanto, é difícil encontrar alguém que entenda os contextos, atores e instituições que fizeram com que o Vale se tornasse o que é hoje.

É uma região única no mundo e sua vantagem sobre o resto apenas aumenta. Basta notarmos que novas plataformas computacionais como Inteligência Artificial e Blockchain tem seus principais especialistas, empreendedores e investidores baseado no Vale de Santa Clara.

Voltando a Origem

Desde o início do Século XX a Baia de San Francisco era uma área importante para pesquisa da Marinha americana. Até a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento de pesquisa militar era feito por laboratórios militares. Durante o esforço de Guerra, isso mudou. As Universidades foram “recrutadas” para desenvolver armamento e tecnologias de guerra. US$450 milhões foram investidos: MIT recebeu US$ 117m, Caltech US$83m, Harvard e Columbia US$30m cada. A principal Universidade do Vale do Silício, Stanford, recebeu míseros US$50 mil dólares…mas isso iria mudar nos anos seguintes, por causa de uma pessoa.

É aqui que entra o verdadeiro pai do Vale do Silício, o Prof. Frederick Terman.

Terman era professor de Stanford e um dos maiores especialistas em rádio, micro-ondas e eletrônica do mundo. Durante a Segunda Guerra, ele coordenou uma equipe de mais de 850 pessoas no Radio Research Laboratory na Universidade de Harvard. Essa organização desenvolveu tecnologias fundamentais no combate aéreo, com destaque para o sistema que permitia que os Aliados conseguissem “cegar” os sistemas de radares alemães. Quando ele voltou para Stanford, se tornou o reitor da Escola de Engenharia.

Curiosidade: Stanford é composta por sete escolas. Negócios, Educação, Engenharia, Humanidades & Ciência, Direito, Medicina e Sustentabilidade. Também tem a de Design, mas não é oficialmente uma escola.

Tão logo Terman voltou ao campus, seu objetivo era não deixar Stanford pra trás no financiamento público de pesquisa. Esta seria uma grande fonte de recursos e conseguir acessa-la era fundamental para a Universidade. Ele via enorme potencial da sua área de pesquisa e criar um centro de excelência era a oportunidade da sua vida.

Terman pessoalmente recrutou os melhores membros do centro de Harvard, montou um novo laboratório e ajudou também outras áreas da engenharia a ganharem contratos com o governo. Em pouco menos de 5 anos, a Escola de Engenharia de Stanford já era considerado o “MIT da Costa Oeste”.

“Então foi uma pessoa que fez toda a diferença?”

Não é bem assim…Terman estava em Stanford e o contexto da Universidade é importante.

Fundada em 1885 pelo casal Stanford em homenagem ao seu filho que havia morrido no ano anterior, eles decidiram que agora que tinham perdido seu único filho e incapazes de ter outro, seriam pais de todos os “filhos e filhas da Califórnia”. Stanford ajudaria a desenvolver a Costa Oeste americana. Havia naquela época (até hoje em alguns casos), um sentimento cultural que a Costa Leste era exploradora e que construir uma indústria e economia autossuficiente era importante. Isso explica uma certa solidariedade e sentimento de comunidade que quem visita ou mora na Califórnia sente.

Na época em que Terman era reitor da Escola de Engenharia, a Universidade de Stanford passava por dificuldades financeiras. Ele teve amplo espaço para testar, inovar, construir e empreender. Ele já era um professor diferente da maioria, estimulando seus alunos a começarem empresas e empreenderem desde os anos 30. Dessa década os alunos empreendedores mais famosos são Bill Hewlett e David Packard, que fundaram a Hewlett-Packard em 1939 em uma garagem.

“Então quer dizer que o Vale do Silício como conhecemos já existia nessa época? A HP captou dinheiro de venture capital e tal?”

Não! Eles foram uma rara exceção, financiaram a companhia do próprio bolso e não foram fruto desse ecossistema que a maioria das pessoas pensa quando se refere ao Vale. O quanto esses dois empreendedores são #raiz vale um texto para outro dia.

Com o início da Guerra Fria, Terman transformou Stanford em uma parceria do complexo militar-industrial norte americano. A Universidade como um todo cresceu se tornando um centro de excelência para o exército, marinha, força aérea, CIA e NSA. A Guerra Fria também era uma “Guerra Eletrônica”.

Em 1956, com muita credibilidade por ter feito um “turn-around” em Stanford, Terman implementou uma série de mudanças na Universidade e criou o protótipo do que chamamos hoje de Vale do Silício:

  • Alunos de mestrado e doutorado passam a ser estimulados a empreender
  • Professores encorajados a dar consultorias para empresas, investir e assumir posições em conselhos -> o próprio Terman passou a ser um ativo investidor
  • Transferência de Tecnologia e Propriedade Intelectual facilitada
  • Pausas na carreira acadêmica e experiências profissionais são bem vistas
  • Parte do campus dedicada a criação e estabelecimento de empresas de tecnologia

O terreno para empreendedorismo estava ficando fértil…

Os Oito Traidores

Na mesma época, William Shockley era um cientista, empregado pelo Bell Labs, que inventou o transistor e ganhou o prêmio Nobel. Ele decidiu montar um laboratório privado perto de Stanford para fazer pesquisas em semicondutores. Nascia assim o Shockley Semiconductor Lab.

Ah, ele foi pra lá por causa das iniciativas do Prof. Terman, certo?

Não. Na verdade, o motivo dele ter escolhido a região foi porque era próximo de onde sua mãe idosa morava. Uma daquelas coincidências da vida…

Shockley era um excelente pesquisador, um extraordinário recrutador, tendo montado um dos melhores times de cientistas do mundo, mas um péssimo gestor de pessoas. Isso gerou um desconforto em sua equipe. Oito cientistas passaram a se encontrar fora do laboratório para reclamar e planejar os próximos passos.

O desafio era fazer o que? Cada um deles sozinho tinha valor limitado, mas trabalhando juntos conseguiam criar semicondutores de alta qualidade, o que tinha muito valor. Lembrem-se que isso era pesquisa de ponta, que poucas pessoas no mundo entendiam e menos ainda conseguiam fazer.

Estes oito decidem então que iriam aplicar para um novo trabalho juntos. Escreveram uma carta de intenção, anexaram os oito currículos e passaram a buscar (8) empregos.

Uma dessas cartas caiu nos colos de Arthur Rock, um jovem financista de 30 anos. Ele ficou intrigado pelo currículo dos cientistas e ao discutir o documento com eles deu a ideia que ao invés de encontrar novos empregos que deveriam, os Oito, montar uma empresa juntos e que ele ajudaria a captar os recursos necessários para isso.

Os Oito não haviam pensado nisso. Empresas possuem plantas industriais, equipamentos e etc. No caso deles, não precisariam de muito capex. O silício, material pelo qual faziam os chips semicondutores vem de carvão e areia. Nesse tipo de empresa que iriam montar, os ativos não seriam físicos, mas sim a inteligência conjunta destas pessoas.

Depois de bater na porta de quase todas as empresas que conhecia, Arthur Rock apresentou o projeto ao fundador da Fairchild Camera, um empreendedor filho do primeiro Chairman da IBM que entendeu a oportunidade e bancou o projeto.

Em junho de 1957 os Oito assinaram uma nota de 1 dólar (não tinham o contrato ainda pronto), como uma declaração de independência, com a visão que estavam fazendo história ao escolher trabalhar em seus próprios termos, em uma empresa inovadora. Nascia assim a Fairchild Semiconductors e os Oito ganharam o apelido de “Os Oito Traidores”. Estava nascendo o conceito de uma startup.

Fairchild e as Fairchildren

O sucesso da Fairchild foi absoluto. A empresa foi de zero a US$25 milhões em receita em três anos (isso na década de 50).  Algumas inovações criadas logo no início da empresa deixaram os competidores obsoletos. O Governo foi um importante cliente.

A Fairchild tinha tantos clientes batendo na porta que começou a fazer uma análise de quais iria atender, baseado no potencial de mercado. Essa disciplina de alocação de capital era liderada por um jovem chamado Don Valentine, que viria a usar essa metodologia alguns anos depois, quando lançou um fundo de investimentos em tecnologia, a Sequoia Capital.

Na década de 60 os problemas começaram a surgir. A Fairchild era a empresa certa, mas num veículo imperfeito. Sendo a subsidiária de uma empresa da Costa Leste, com hierarquia e um dono, o desalinhamento foi crescendo. A Fairchild Semiconductors era uma empresa aberta, meritocrática e os Oito queriam compartilhar o valor criado, mas o arranjo com a Fairchild Camera (a matriz) fez com que todos os executivos deixassem de ser acionistas depois de alguns anos. Aos poucos os talentos começaram a sair, incluindo os Oito. As empresas criadas por ex-funcionários foram apelidadas de Fairchildren.

A principal dessa nova leva foi a Intel, fundada por dois dos Oito, Robert Noyce e Gordon Moore. Eles eram considerados os dois principais do grupo original os únicos que ainda estavam na empresa. Algumas Fairchildren produziam semicondutores, outras criaram tecnologias que os utilizavam para novas formas de comunicação, computação, produtos para consumidores e empresas.

Venture Capital, a Inovação Financeira

Para financiar todas estas ideias era preciso de um novo modelo de investimentos. O que havia funcionado na Fairchild do ponto de vista financeiro foi: 1) dar ações aos melhores executivos e 2) fazer dos fundadores grandes acionistas. Isso seria mantido. O que mudaria é que estas ideias seriam financiadas como empresas independentes em que os fundos seriam minoritários, mas com participação na gestão.

Arthur Rock ficou tão inspirado pelo novo tipo de capitalismo que havia visto no inicio da Fairchild que queria focar seu trabalho apenas investindo em oportunidades parecidas. Inicialmente chamou isso de de “Liberation Capital”, capital para liberar as pessoas. Com o tempo o nome “Venture Capital” foi o que pegou.

Usando o sucesso da Fairchild como base, ele captou um fundo de US$5m que retornou US$90m aos seus cotistas.

De uma hora outra um cara ganhou tanto dinheiro? No que ele investiu?”

Nas Fairchildren inicialmente. Os semicondutores e sua capacidade de processamento abria a possibilidade para novos produtos e serviços que se utilizavam dessa tecnologia. As pessoas que mais entendiam sobre ela estavam trabalhando na Fairchild e morando pela região, que tinha em Stanford uma produtora de novos engenheiros, expertise especializado de professores, conexões com a indústria e uma cultura pró-empreendedorismo. Por que empreender em outro lugar?

Começaram a surgir novas indústrias em temáticas como disk-drive (San Disk), computadores pessoais (Apple), redes locais (Cisco) e claro muitas empresas de semicondutores.

Estas empresas foram financiadas por empreendedores/investidores que no lugar de montarem empresas de tecnologia, lançaram fundos. Eram novos gestores de investimento, de origem financista como Rock, da indústria como Don Valentine ou até mesmo um dos Oito Traidores (Eugene Kleiner). Inicialmente estes investiam dinheiro próprio, com cheques pequenos, depois em clubes de investimento e por fim com capital institucional.

Num segundo momento estes fundos começaram a usar seu apetite de tomada de risco e expertise em construção de empresas para investir em setores além daqueles ligados a semicondutores. O melhor exemplo é a Genentech, a primeira empresa que fabricou insulina humana em laboratório, que foi um dos melhores retornos de VC da história.

Algo interessante também é que se analisarmos o background destes primeiros Venture Capitalists, encontraremos muitos alumni da Harvard Business School. O que todos tem em comum é que tiveram aula com George Doriot, que criou o primeiro fundo de VC dos Estados Unidos, o American Research & Development, em 1946, que tinha financiamento público.

Para ajudar ainda mais, o Governo Americano cortou pela metade o imposto sobre ganhos de capital e também permitiu que Fundos de Pensão pudessem alocar nesse tipo de fundo. Quero reiterar que estas mudanças foram fundamentais para o surgimento da indústria de Venture Capital como a conhecemos.

Financiamento era a parte que faltava e com ela o ecossistema do Vale do Silício estava completo.

Ok, Edu, mas isso explica o ciclo dos semicondutores e computador pessoal. Chegamos tipo aos anos 80. E coisas como Software? Internet? Smartphone? Cloud? Inteligência Artificial? Blockchain?”

É simples. Nós temos uma região que concentra:

  1. Os principais fundos de investimento em tecnologia. Com o expertise e mais do que isso, a crença de que é possível tomar risco investindo em empresas pequenas, mas de alto potencial e ter grandes ganhos. Uma coisa é saber algo conceitualmente, outra coisa é ter vivivo. Estes fundos vivem isso a décadas.
  2. Uma das melhores Universidades do mundo, com uma cultura e incentivos direcionados ao empreendedorismo
  3. Densidade de talento sem igual
  4. Ecosistema de empresas early-adopters, que podem ser clientes das startups
  5. Uma cultura de comunidade do Estado da California e uma ótima qualidade de vida
  6. Exemplo atrás de exemplo de pessoas perto de você que construíram grandes empresas

Estes seis fatores acima explicam porque o Vale do Silício consegue ficar a frente de outras regiões em cada nova plataforma computacional. As novas plataformas são criadas lá! Nada indica que isso vá mudar nos próximos anos. O Vale do Silicio acelerou o mundo e sou muito grato por ele existir.

Grande abraço, Edu

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