Olá! Poucas instituições tiveram tamanho impacto no mundo nos últimos 20 anos quanto a YCombinator. Tendo investido em mais de 4 mil empresas, com valor de mercado acima de US$ 600 bilhões, 6% de suas investidas se tornaram unicórnios. É uma das instituições mais respeitadas do ecossistema empreendedor global.

Antes de começar o texto, gostaria de citar o falecimento semana passada de Gordon Moore, fundador da Intel, criador da Lei de Moore e grande influência para todos no mundo de tecnologia. O texto da semana que vem será sobre a criação do Vale do Silício, do qual ele teve papel fundamental e será uma pequena homenagem a este grande empreendedor e cientista.

Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber sobre a YC:


  • Mais do que investir em startups de sucesso, a YC criou uma forma de pensar sobre empreendedorismo que se espalhou pelo o mundo
  • Mesmo com fundos oferecendo termos melhores, a YC continua, ano após ano, a atrair empreendedores de alto calibre
  • Sua cultura de assertividade e foco não é para todos, mas os empreendedores que passaram pelo programa foram unânimes em dizer que os ajudou a elevar a barra
  • A YC é uma mistura de fundo, empresa, universidade, clube e máfia

Intro

No mundo de investimento em tecnologia, a Y Combinator (“YC”) é uma entidade que opera sobre suas próprias regras. Uma mistura de empresa, fundo e universidade, sua forma de operar é única e por mais que outros tentem copia-la, ela continua tendo muito mais sucesso. Nenhuma entidade tem a sua reputação, network effects e múltiplas ferramentas. Seu modelo permite uma cultura assertiva, de “papo reto”, sem conflito de interesses com os empreendedores. A YC divulga muito material, mas também mantém uma aura de mistério. Isso faz com que seja vista como arrogante por algumas pessoas, especialmente seus críticos.

Seu impacto se dá em duas frentes: primeiro em empresas como de sucesso como Airbnb, Coinbase, Brex, DoorDash, Rappi, Reddit dentre outras. Segundo sua filosofia de como construir empresas se tornou o padrão para startups. Textos como “Faça algo que as pessoas querem” e “Faça coisas que não escalam” se tornaram mantras de empreendedores pelo mundo todo. Além disso, ela foi construída numa crença que empreendedores fazem do mundo um lugar melhor e que bons empreendedores são boas pessoas e o inverso também é verdade, como Graham escreveu Essa última visão é bem questionada hoje em dia.

Num cenário em que fundos competem oferecendo valuations mais altos, a YC continua, ano após ano, a investir em safras de empreendedores bem sucedidos. Isso é, na minha opinião, a maior prova do quanto ela é poderosa e seu modelo funciona.

História

A YC foi fundada em 2005 por Paul Graham, Jessica Livingston, Robert Tappan Morris, e Trevor Blackwell. Graham, Morris e Blackwell haviam empreendido juntos e em 1998 venderam sua startup, Viaweb, para o Yahoo, no que se tornou a base do Yahoo Shopping. Os três eram excelentes programadores, com um hábito de desafiar o status quo, meio hackers. A venda deu a eles liberdade financeira.

A namorada de Graham, Jessica Livingston ainda estava procurando se encontrar na carreira quando descobriu o mundo das startups e se apaixonou. Ela aplicou para empregos em um fundo de venture capital e foi rejeitada, afinal tinha pulado em diferentes empregos e não tinha o “background certo”. Graham e Livingston então tiveram uma ideia: começar uma empresa de venture capital que fosse diferente de qualquer coisa que existia. Livingston então lideraria o fundo “Cambridge Seed”, com Graham e seus sócios como investidores. Rapidamente eles mudaram o nome para “Y Combinator”.

Nenhum dos quatro sócios da YC haviam sido investidores. Eles então decidiram aprender fazendo rápido fazendo um alto volume de investimentos de uma vez só, investindo em “lote” (batch em inglês) de empresas. Uma outra inovação foi focar nos indivíduos que estavam empreendendo e não nas suas ideias ou empresas. O que eles não sabiam é que os quatro fundadores da YC tinham um talento muito acima da média para selecionar indivíduos com potencial de construir grandes empresas.

Como que a YC seria diferente do resto dos fundos de VC? Pensando na atividade por primeiros princípios, eles chegaram a algumas inovações:

  1. Termos padronizados: todos as empresas receberiam US$20 mil por 6% da empresa, sem negociação ou tratamento diferencial. Esses termos foram atualizados como descrevo abaixo.
  2. Empreendedorismo é ensinável: com uma estrutura que cobrisse todos os principais pontos da jornada empreendedora, essa expertise poderia ser transferível, em escala, para os empreendedores. O importante é encontrar o potencial para empreender.
  3. Fábrica de Startups: ao investir via lote, ela teria ganhos de escala pois vários empreendedores estariam passando pelos mesmos problemas ao mesmo tempo. O que seria uma reunião individual poderia se transformar em uma palestra, multiplicando o impacto.

Até agora não deve estar claro qual o segredo, afinal, existem aceleradoras pelo mundo todo, a maioria não consegue chegar nem perto do sucesso da YC.

Ao refletir nisso, me lembrei de quando meu pai me explicou sobre a Seleção de 1974 da Holanda, a Laranja Mecânica, que trouxe o conceito de Futebol Total. Muitos já haviam tentado inovar no futebol, mas foram eles que conseguiram. Ao perguntar pra ele “Qual o segredo?”, sua resposta foi clara “Filho, a estratégia era muito boa e tal, mas ajudou o fato de que dentre os estivadores do porto de Roterdã tinha um monte de craques”.

Foi algo parecido que aconteceu com a YC. As inovações de modelo são bacanas, mas ter selecionado grandes empreendedores foi chave para o sucesso.

O calibre de talentos é impressionante. No lote do verão de 2005 tínhamos Sam Altman (que se tornou CEO da própria YC depois de Graham e hoje é o CEO da OpenAI) e fundadores de empresas como Twitch, Firefox, Initialized Capital dentre muitas outras.

Jessica Livingston é descrita pelos empreendedores da época como o “coração do programa” e Paul Graham como uma espécie de mestre Yoda/Gandalf/Dumbledore (dependendo da sua franquia de fantasia favorita).

Sediada em Mountain View, no Vale do Silício, a YC também foi inovadora ao trazer empreendedores bem sucedidos para dar palestras. À medida que os anos se passaram, os empreendedores bem sucedidos da própria YC viriam a ser os principais palestrantes. A ideia é passar a mensagem que bons empreendedores utilizaram as ferramentas que serão ensinadas e construíram empresas incríveis. Inspiração pareada com pragmatismo.

Até 2009 a YC foi financiada apenas com dinheiros dos fundadores. Depois disso fundos como Sequoia Capital, DST Global, SV Angel dentre outros passaram a financiar o investimento nas startups. Hoje a maior parte do capital vem de investidores externos, que pagam uma taxa de administração e de performance para os sócios da YC. O ritmo de investimentos gira em torno de US$400m/ano, o que não é tão alto comparado com outros grandes fundos de VC.

É importante destacar que a YC também é uma expressão de todo o desgosto que Graham possui pelos fundos de VC, como ele mesmo escreveu num texto. Ele acredita que dentre outros defeitos, eles são arrogantes.

Programa e Produtos

A YC possui uma série de produtos que vão desde antes do empreendedor ter uma ideia até o pre-IPO:

  • Startup School e Cofounder Matching: ajudam empreendedores antes destes terem uma ideia.
  • Programa YC: ajuda a transformar uma ideia num produto e empresa. Primeiro, maior e mais famoso produto.
  • Bookface: é uma rede social com todos os empreendedores, com alto engajamento mesmo de membros muito bem sucedidos.
  • Work at a Startup: programa em que pessoas podem se candidatar para trabalhar numa startup investida.
  • Series A: é um programa que ajuda empreendedores a captar a sua rodada Series A, uma das mais desafiadoras.
  • Continuity Fund: fundo para follow-ons das empresas do portfólio.
  • Growth: programa que ajuda startups com mais escala a crescerem.

O programa YC é de longe o mais conhecido e importante, então vou focar nele.

Para entrar no Programa é preciso passar no processo seletivo. A YC tem essa dualidade de por um lado ser muito aberta em seu conteúdo e marketing, mas por outro também trabalhar intencionalmente para manter seu processo e propriedade intelectual o mais confidencial possível.

A aplicação é feita via seu site. As startups selecionadas fazem uma entrevista de 10 minutos e existe conteúdo online sobre como se preparar para ela. O resumo é que as respostas precisam ser curtas e diretas ao ponto. Demonstrar foco é fundamental e apresentar sua empresa (no caso aqui dos brasileiros) como a “Versão brasileira da startup americana X” é uma ótima forma de ajudar os sócios da YC a entender o que você está pensando em construir. Também é preciso mostrar um caminho sobre como a sua startup pode se tornar uma empresa de US$1 bilhão de valor de mercado. A taxa de aceitação é de 1.5% a 3%. No maior lote foram aprovadas c.400 empresas, mas em 2022 o número caiu para c. 250.

Sobre o programa em si, tem uma descrição online, mas superficial.

Os termos financeiros são os mesmos para todas as empresas: US$125 mil por 7% da empresa, com um adicional US$375 mil num valuation não definido, mas a YC vai receber os termos equivalentes aos melhores termos que forem oferecidos aos investidores, um conceito chamado de MFN: Most-Favoured-Nation.

As startups são divididas em quatro grupos, cada um liderado por um sócio. Cada grupo é dividido em 12-14 sessões, com 6 a 10 empresas, para discussões mais intimas. Como um empreendedor me relatou:

A primeira palestra dá o tom. Os sócios da YC deixam claro que todas as startups estão ou quebradas ou a caminho de quebrar. Tentar convencer as pessoas que sua empresa não tem problema é um desserviço a si mesmo. Seja aberto, vulnerável, os sócios estão aqui para ajudar. Se você não quiser falar com ninguém, ok, é problema seu. Quem faz o programa e decide o que tirar dele são os empreendedores.

O núcleo do programa é o bootcamp, uma série de sessões sobre os mais diferentes temas. Eles trazem gente muito sênior para esses bootcamps e as palestras são direto ao ponto. Segue um exemplo de uma palestra:

Olha, em marketing digital as pessoas vão te dizer que esses dez pontos são importantes. Se foca nesses dois primeiros apenas, não dá pra fazer os dez. Deixa os outros quebrarem que no fim esses dois já resolvem o problema. Vocês têm startups pequenas, daqui a um, dois anos vocês pensem nos outros pontos” – relato sobre palestra de um empreendedor que passou pelo YC

A forma como eu penso na YC é menos como uma Universidade e mais como um produto. O programa foi mudando com o tempo, diferente de uma Universidade que é mais estática. A YC de dez anos atrás é muito diferente da YC de hoje.

Depois de três meses, acontece o Demo Day. Cada startup tem 2 minutos para apresentar sua empresa e produto. Aqui a YC mostra sua incrível capacidade de criar competição entre os investidores e de atrair atenção para suas empresas. O ambiente é uma loucura e deixa aqueles com problemas de ansiedade bem desconfortáveis. É o chamado FOMO (Fear of Missing Out) destilado e concentrado num único evento.

O relacionamento com os empreendedores continue depois disso. Os sócios se mantêm a disposição para reuniões com todas as empresas e a rede social Bookface é ativa.

Cultura

FOCO. Assertividade. Barra alta. Sem enrolação. “No bullshit”.  

Se você é um empreendedor de palco, gosta de falar e convencer os outros que A na verdade é B, a YC definitivamente não é pra você. Arrogância ou ca*** regras não te ajudam nesse ambiente. A verdade é que depois de 4.000 empresas, os sócios entendem quando um empreendedor está sendo intelectualmente honesto e quando está se enganando.

Não tem enrolação. Para os sócios do YC, empreendedorismo é uma ciência. Tem regras equivalentes a gravidade. Por exemplo, você precisa de uma estratégia de marketing, canal de distribuição e etc. Não adianta pensar que seu produto vai se vender sozinho” – empreendedor que passou pelo YC

Um ponto que demorou um tempo para eu entender é que a YC conseguiu eliminar o conflito de interesses entre o investidor e o empreendedor através da diversificação. Cada startup é tão pequena no portfólio que os sócios não se sentem pressionados a dar um conselho que sirva a YC. É melhor falar o que faz sentido para os empreendedores e defender a marca YC no longo prazo. Eu não conheço nenhuma outra empresa de investimentos que consiga operar dessa forma.

Os empreendedores também dizem que reuniões com os sócios são intensas. Com durações de 20 minutos, é preciso chegar com perguntas táticas.

Não tem espaço para reflexão. Você vai falar com o sócio depois de ter refletido muito e se mostrar que não esta focado, vai levar uma bordoada. São reuniões intensas e eu amei todas as que fiz” – empreendedor que passou pelo YC

Y Combinator: fundo, empresa, universidade, clube ou máfia?

Como definir o que é a YC?

  • Fundo: dado que investe capital em empresas
  • Empresa: pois busca o crescimento, esta sempre lançando produtos e não tem receio de fechar uma iniciativa que não esta dando certo. Por exemplo, o YC Continuity, fundo de growth que investe apenas nas empresas da YC foi fechado algumas semanas atrás
  • Universidade: o ambiente é colegial e os bootcamps se assemelham a aulas
  • Clube: dinâmicas como “peer pressure”, amizades e o sentimento de comunidade são fortes
  • Máfia: ao ser parte da comunidade YC, um empreendedor será mais bem tratado por potenciais investidores, que não querem se queimar com a YC. Além disso, os membros se ajudam e se protegem…meio estranho pensar por esse ângulo, mas tem um que de máfia também, como o próprio sócio da YC, Michael Seibel, admitiu

Conclusão

Não é exagero dizer que o YC mudou a forma como empreendedorismo é feito. Seu modelo vem dando certo. Seus retornos são muito saudáveis e a coloca como um dos melhores fundos de VC do mundo. Todos os empreendedores, com quem conversei gostaram do programa e fariam de novo. No caso de empreendedores do Brasil, já são mais de 40 companhias, o feedback foi muito positivo.

Não posso deixar de ressaltar que iniciar uma aceleradora em 2005, pouco antes do juros ficarem a zero por 14 anos, empurrando capital para ativos de risco, somado ao surgimento das duas plataformas computacionais da Nuvem e Mobile definitivamente ajudaram. Era o programa certo, na hora certa, mas como textos recentes sobre o WeChat e TSMC já nos mostraram, timing é fundamental na vida.

Fico feliz que a YC existe e torço para que mais empreendedores brasileiros passem pelo seu programa. Também não é coincidência que o primeiro investimento do bsb capital, meu fundo proprietário de ativos e empresas digitais, é numa empresa da YC, mas isso fica pra outro dia.

Grande abraço, Edu

DISCLAIMER: essa newsletter não é recomendação de investimentos. Seu propósito é puramente de entretenimento e não constitui aconselhamento financeiro ou solicitação para comprar ou vender qualquer ativo. Faça a sua própria pesquisa. Todas as opiniões e visões são pessoais do próprio autor e não constituem a visão institucional de nenhuma empresa da qual ele seja sócio, colaborador ou investidor.