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Oi pessoal, muitos leitores me pedem para escrever sobre biotecnologia. Esse setor é enorme, com receitas acima de $800bi globalmente e expectativa de dobrar nos próximos sete anos. Quando confrontado entre escrever um texto superficial, mas abrangente ou focado e profundo, sempre escolho a segunda opção. Sendo assim, hoje vamos cobrir a Genentech. Por que?

  1. A Genentech foi a empresa pioneira da indústria de Biotecnologia

  2. Sua estratégia e táticas se tornaram o padrão que até hoje é seguido

  3. O trabalho dos investidores na companhia foi exemplar, ajudando de fato a empresa em sua jornada

  4. É o exemplo perfeito do que investimentos em tecnologia devem aspirar a ser: transformou o mundo positivamente e foi lucrativo para todos os stakeholders

Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:


  • A Genentech desenvolveu os padrões e modus operandi da indústria de biotecnologia

  • Seus fundadores souberam dividir os riscos da empresa e resolveram um de cada vez, capturando o valor associado ao de-risk

  • Roadmap de produtos, cumprir o prometido, foco na tecnologia, compreensão profunda do regulador e ambição são algumas das lições desta empresa

  • No fim das contas a carreira que você deseja talvez não seja aquela para a qual você está mais bem posicionado


Biotecnologia

Biotecnologia é uma das mais estranhas, sexys e interessantes áreas de investimentos, tanto de mercados privados quanto públicos. Na sua essência, estamos falando de empresas que buscam salvar vidas. Muitas indústrias têm empresas que podem dobrar de valor rapidamente, mas nenhuma em uma quantidade tão grande quanto biotecnologia.

Dando um passo para trás, a biologia é a tecnologia mais antiga e avançada do nosso planeta. Existe há pelo menos 4 bilhões de anos. Consegue escalar pelo mundo inteiro. Sobrevive em diferentes condições. É a primeira ciência e pedra fundamental da vida.

Empresas de biotecnologia focam principalmente no desenvolvimento de novos medicamentos focados em tratamento de doenças e condições. São empresas quase sempre não-rentáveis, que nascem a partir de pesquisas científicas. Investimentos em empresas de biotecnologia são feitos por fundos de Venture Capital, mas o setor opera de forma tão específica que os principais fundos não são os que estamos acostumados a ver. São gestoras dedicadas a Biotech ou Life Sciences (ciências da vida), dois termos que são de certa forma quase que intercambiáveis nesse contexto. É um ecossistema gigantesco, que apenas no ano passado movimentou $30bi, isso considerando apenas o mercado privado de Venture Capital. Empresas de biotecnologia também tendem a fazer seus IPOs num estágio anterior a maioria das startups.

Estamos entrando num mundo parecido, mas diferente do que estamos acostumados quando falamos de tecnologia. Sendo assim, vamos voltar ao seu início.

Genentech

A empresa foi fundada em 1976 por Robert Swanson e Herbert Boyer. Swanson era executivo do Citigroup onde trabalhou em um projeto com Eugene Kleiner, um dos fundadores da pioneira gestora de Venture Capital, Kleiner Perkins. Swanson foi então recrutado pessoalmente por Kleiner para se juntar ao time. Depois de alguns meses no trabalho, ele participou de um almoço com o vencedor do prêmio Nobel Donald Glaser, que apresentou o conceito de engenharia genética. Swanson ficou obcecado com o tema. Esta era uma tecnologia que permitia à humanidade recriar a natureza, reconfigurando genes. Sua hipótese era que com a abordagem correta, seria possível produzir remédios e materiais em larga escala para um grande número de aplicações. Seu background acadêmico ajudou, dado que tinha se formado em Química e fez um mestrado em Administração, ambos pelo MIT.

Swanson queria encontrar uma forma de introduzir esta nova ciência nos investimentos do fundo. Ele forçou tanto a barra para que uma empresa em particular entrasse nesse segmento que esta rompeu relações com a Kleiner Perkins. Esta foi a principal razão pela qual depois de um ano a gestora demitiu Swanson.

O futuro empreendedor chegava aos 30 anos desempregado, mas fascinado com a tecnologia de recombinação de DNA. Enquanto buscava emprego, ele começou a procurar os cientistas na vanguarda deste campo. Um deles, Herbet Boyer, inicialmente cético pois não tinha conhecimento de negócios, concordou em tomar um café com Swanson.

Ambos concordavam com o enorme potencial de edição genética, mas Boyer acreditava que era muito cedo para construir uma empresa. “Talvez daqui a dez anos”, ao que Swanson respondeu, no melhor estilo empreendedor:

“Vamos pegar todas as suas premissas que te levam a acreditar que vai demorar dez anos e testar cada uma delas”.

A reunião durou 3 horas e ao final dela, decidiram montar uma empresa cujo foco seria comercializar a tecnologia da Boyer havia sido um dos pioneiros. Swanson pensou que este seria um projeto paralelo com sua carreira de investidor, mas rapidamente decidiu que iria se dedicar em tempo integral para a criação da empresa.

“Eu vi que isso era importante. Se eu não fizesse isso, eu não iria gostar muito de mim depois por não ter tentado. Foi assim que tomei minha decisão”.

Boyer e Swanson

 

O contexto em que a empresa nasceu foi fascinante: a indústria de Venture Capital estava no seu início, o próprio conceito de startup sendo moldado. A Apple havia sido fundada apenas uma semana antes. Não existia a indústria de biotecnologia e nenhuma empresa farmacêutica tinha sido criada em décadas.

A Genentech nasceu para comercializar produtos criados a partir da emergente tecnologia de engenharia genética. Na época a opinião geral era que esta tecnologia estava a décadas de qualquer uso comercial ou que simplesmente nunca iria funcionar. Nenhuma das grandes empresas farmacêuticas dedicava esforços nessa direção.

Gerenciando Riscos

Entender o conceito do risco é importante para o sucesso em qualquer empreitada. É senso comum dizer que empreendedores gostam de tomar risco. Eu questiono esse clichê e prefiro muito mais a frase do investidor Josh Wolfe: “Empreendedores não são tomadores de risco, mas exterminadores de risco”. Tive a sorte de conhecer vários empreendedores de sucesso e definiria alguns deles até mesmo como pessoas conservadoras.

Swanson escreveu um plano de negócios buscando $3m que previa:

  1. Contratação de múltiplos pesquisadores

  2. Construção de laboratórios para comprovar a eficácia da tecnologia

  3. Capital para uma nova fábrica para produção em escala.

Para ter ideia de escala, o próprio fundo da Kleiner Perkins era de apenas $8m e era um dos maiores da nascente indústria de investimentos de risco. Pensem que estamos falando de uma empresa que se baseava apenas em pesquisa acadêmica. Não existia nenhuma garantia que nada do que estava sendo proposto iria dar certo.

Depois de receber um não da Kleiner Perkins, Swanson começou a repensar o negócio junto do time da mesma gestora. No lugar de pedir todo o dinheiro de uma vez, a Genentech captaria menos recursos e se comprometeria a atingir certos objetivos. Caso a empresa chegasse neles, uma nova rodada poderia ser feita, num valor maior, pois parte dos riscos haviam sido removidos. Matematicamente isso quer dizer que qualquer tipo de taxa de desconto que os investidores utilizaram em D0, teria que ser menor agora pois o risco ficou menor. Essa valorização seria capturada pelos fundadores e investidores das rodadas anteriores. Swanson e a Kleiner Perkins estavam criando o modelo de financiamento que se tornou o padrão da indústria.

O objetivo do empreendedor era criar uma empresa farmacêutica integrada, ou seja, que desenvolvesse e vendesse seus próprios produtos. Ele dividiu seu objetivos em pequenas unidades de valor e captou rodadas para financiar cada uma dessas unidades.

Por que a Kleiner Perkins continuou financiando a Genentech? Porque a empresa entregava consistentemente tudo o que ela se comprometia a fazer.

Fonte: Bay Bridge Bio

 

Ao analisar as projeções, Tom Perkins entendeu que se eles pudessem eliminar a necessidade de construir os laboratórios, a necessidade de capital diminuiria drasticamente. A Genentech utilizou a tática de subcontratar laboratórios de terceiros. Dos $3m que precisavam inicialmente, o valor caiu para $250mil. A Kleiner Perkins topou fazer o investimento, em duas tranches, uma de $100mil e outra de $150mil e cedeu seu escritório para que a empresa se instalasse nos primeiros meses.

Roadmap de Produto

Swanson entendia que precisava ir atrás de um mercado grande que pudesse ser endereçável pela tecnologia que estava desenvolvendo. Cerca de 3% da população americana era diabética e precisava tomar insulina de forma recorrente. O mercado estava crescendo. Na época, a insulina era obtida matando porcos ou vacas e extraindo-a de seus tecidos. Esse era um produto mais caro e arriscado do que potencialmente criar insulina no laboratório a partir de bactérias ou leveduras. Existia uma demanda não atendida de uma insulina mais segura e barata do que a de animais. Do ponto de vista científico, era uma proteína bem compreendida e simples. Poderia ser patenteada. Os cálculos de preço e custo mostravam uma boa margem bruta. O problema é que mesmo mais simples que outras proteínas, a insulina ainda era um hormônio complexo.

Foi então que o time de cientistas propôs a Swanson uma abordagem diferente. Eles iriam recriar em laboratório um hormônio mais simples primeiro, provando assim que a tecnologia funcionava. Depois, com mais tempo e financiamento, iriam atrás do verdadeiro produto, a insulina. Os cientistas conseguiram sintetizar a Somatostatina, o que comprovou a eficiência do processo.

Tecnologia no Centro

A Genentech conseguiu recrutar alguns dos melhores pesquisadores do setor pois foi intencional em criar um lugar no qual as pessoas quisessem trabalhar. Era necessário ter os melhores, pois pesquisa, especialmente uma com orçamento restrito, era uma guerra pela sobrevivência. Escolher quais projetos deveriam continuar e quais seriam cancelados faria a diferença entre a empresa atingir seus objetivos ou falir.

Cultura, como sempre vem do topo. Vindo do ambiente acadêmico, Boyer entendia o que os cientistas valorizavam. Uma dessas coisas era crédito. Ele intencionalmente não colocou seu nome na patente da insulina sintética. Para um pesquisador, que está acostumado a dar o crédito para o chefe do laboratório, isso era muito atraente. A empresa também deixou os pesquisadores publicarem os Papers acadêmicos ao público, sendo a única condição que estes já tivessem as patentes encaminhadas. Meritocracia era o nome do jogo, não senioridade. A empresa pagava salários acima da média da academia e foi uma das primeiras a criar um programa de opções de ações.

Por fim, a empresa tinha uma missão: criar uma insulina sintética, resolvendo o problema de abastecimento de milhões de pessoas que precisam desse produto diariamente. Isso é muito mais inspirador do que 99% das missões das startups por aí…

Fonte: Genentech

 

Entender a Regulação

A expertise em regulação, especialmente relacionado ao processo de aprovação de novos medicamentos, é chave no setor de biotecnologia. Insulina era um caso interessante pois seu processo de aprovação seria potencialmente mais rápido. O motivo era que os testes eram curtos: injetar insulina e logo depois medir o grau de glicose no sangue. Imagine o oposto: uma droga contra câncer precisa que pacientes a tomem por um período de tempo e depois vem o monitoramento pós tratamento. Um ciclo tão longo iria acabar com o capital da empresa. Outro ponto que fazia da insulina a candidata ideal é que era impossível testar em animais, o que também diminuía o tempo de testes.

Um caminho claro para aprovação no órgão regulador americano, a FDA (equivalente a Anvisa no Brasil) é fundamental para o sucesso de uma empresa de biotecnologia.

Indo para as Cabeças, um Passo de cada vez

O objetivo da Genentech era ser uma empresa farmacêutica integrada. Dessa forma criaria mais valor para seus stakeholders e continuaria no controle do seu destino. O desafio era escala. Existiam cerca de 250 mil médicos nos Estados Unidos na década de 70. Uma empresa pequena não conseguiria ir até todos explicar os detalhes do projeto. A empresa então fez uma parceria com a Eli Lily para distribuição dos seus produtos. Isso quer dizer que num primeiro momento a empresa não iria desenvolver a capacidade de distribuição. Essa parceria se tornou o modelo na qual milhares de outras parcerias foram feitas na década seguinte no setor farmacêutico.

Outro pioneirismo da companhia foi trabalhar sua relação com a mídia. Em diversos momentos que a Genentech teve evolução em seus trabalhos, ela fazia uma conferência com a mídia.

Esse trabalho foi importante pois criou rapidamente na mente do público a imagem da empresa como uma líder em medicamentos. Isso foi útil em seu IPO. Swanson acreditava que apenas com mais capital a Genentech conseguiria investir em todos os projetos de alto potencial. O IPO foi realizado em 1980 e na época foi o maior da história, captando $35m.

Seu segundo produto foi um hormônio de crescimento. Com apenas 500 pediatras endocrinologistas no país, a empresa viu uma oportunidade de criar sua rede de vendedores. Com o tempo a maioria dos produtos da Genentech passou a ser vendida por ela mesma, verticalizando a etapa final.

Depois de se tornar uma empresa listada, a Genentech teve que desenvolver um outro músculo: de alocadora de capital. Com diversos projetos, alguns que seriam distribuídos pela companhia, outros licenciados via royalties, a empresa continuou focada em suas pesquisas e produtos desenvolvidos internamente, diferente das grandes farmacêuticas que investem boa parte de seu capital em aquisições.

No final da parceria, Tom Perkins afirmaria que de todos os empreendedores com os quais trabalhou, Swanson era o melhor. Ele conseguiu olhar um setor de fora (não era da indústria farmacêutica) e operar nele melhor que os mais experientes. Fica aqui também o aprendizado que não importa a carreira que você deseja, existe uma carreira para a qual você é melhor preparado. Estas podem ser a mesma ou não. Swanson queria ser investidor, mas acabou tendo sucesso como empreendedor.

Em março de 2009 a Roche adquiriu a Genentech por $46.8bi, em uma das maiores aquisições da história até aquele momento.

Aprendizados

A história da Genentech é uma das mais inspiradoras do mundo de Venture Capital e deixou lições que com o tempo se tornaram lugar comum e clichês. No entanto foram as pessoas envolvidas, Robert Swanson e Herb Broer como empreendedores, um time de jovens cientistas e os gestores do Kleiner Perkins, que desenvolveram muitas das regras nas quais a indústria de biotecnologia e milhares de medicamentos e avanços foram desenvolvidos.

Listando os aprendizados:

  • Analise todos os problemas via primeiros princípios e não como sempre foi feito

  • Elimine um risco de cada vez e capture o valor associado ao “de-risk”

  • Cumpra o que você prometeu aos seus sócios

  • Foco na tecnologia e nas pessoas

  • Entenda as nuances e detalhes do regulador

  • Grandes ambições, resolvendo grandes problemas

Grande abraço,

Edu

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