“Théâtre D’opéra Spatial”, obra gerada por IAG

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Oi pessoal, hoje estamos fechando a nossa sequência de artigos sobre Inteligência Artificial Generativa (IAG). Continuaremos a escrever sobre esse tema, mas vamos intercalar com outros assuntos.

Caso queira ler o restante da série, você pode acessar os textos aqui: Nvidia, A História da IA e Explicando a OpenAI.

Se você tem apenas um minuto, aqui é o que você precisa saber:


  • A maneira como as pessoas vão interagir com produtos vai mudar profundamente com IAG. Esse fenômeno será semelhante ao que aconteceu quando os smartphones apareceram. O movimento do Facebook em abraçar o mobile é uma aula sobre como CEOs devem reagir a esta mudança de plataforma

  • A cadeia de valor de IAG é dividida em três componentes: Infraestrutura, Modelo e Aplicativos. Atualmente, Infraestrutura é a que está mais bem posicionada para capturar valor

  • Nenhum destes componentes, até o presente momento, apresenta barreiras de entrada diferenciadas para garantir retorno no longo prazo

  • Alguns setores estão abertos para serem transformados por IAG: Busca, Educação, Terapia & Coaching, Criação e Ferramentas para Pequenos Negócios são alguns deles. No entanto, o mercado potencial toca quase toda a indústria de software e atividade humana


Facebook e a Mudança para Mobile

A entrada de uma nova plataforma computacional muda a forma como as pessoas interagem com tecnologia e é responsável tanto pela criação como também destruição de valor. Quando essas mudanças acontecem, elas são rápidas e as empresas precisam reagir imediatamente.

Um exemplo é o Facebook e o movimento para mobile.

Em 2011, a empresa de Mark Zuckerberg tinha aplicativos para o iPhone e Android, mas eles não eram bons. Eles tinham sido construídos em HTML5, uma linguagem feita para páginas na web. Os aplicativos eram lerdos e cheios de problemas. Em 2012, Zuckerberg entendeu o risco: os consumidores passariam mais tempo no celular do que no desktop e isso implicava que uma rede social mobile-first teria uma boa chance de desafiar o Facebook.

O recado para a companhia foi claro: a partir daquele momento, o Facebook seria uma empresa focada em mobile. Ele começou dando o exemplo: nos meses seguintes só usava seu iPhone. Ele lia documentos, respondia e-mails e até mesmo escreveu o documento introdutório do IPO do Facebook no seu celular. Zuckerberg precisava ser uma pessoa mobile-first.

Os Product Managers do Facebook tiveram que desabilitar a sua versão web, só podiam usar a versão mobile. Toda reunião de produto deveria começar apresentando a versão para celular primeiro. Caso esta não existisse ainda, a reunião seria sumariamente encerrada.

No mesmo ano, o Facebook pagou $1bi pelo Instagram, que ainda gerava uma receita infima. Zuckerberg colocou alguns de seus melhores executivos na nova divisão. A aquisição, criticada por muitos, provou ser uma das melhores da história do setor de tecnologia. Dois anos depois, já como uma empresa pública, o movimento mais ousado: a compra do Whatsapp por $19bi, num momento em que o próprio Facebook valia $160bi na bolsa. Veja que mesmo com o Instagram performando bem, Zuckerberg não hesitou em gastar mais de 10% do valor de mercado da companhia para garantir uma posição de liderança em mobile.

Atualmente mais de 80% do tempo gasto pelos usuários no Facebook é no mobile. No caso do Instagram e Whatsapp, esse número é de c.100%. Isso quer dizer que >95% do valor da empresa hoje transita pela plataforma de mobile. A história nos mostrou que a adesão de mobile foi uma corrida: em 2017, apenas cinco anos depois, o usuário de smartphone nos Estados Unidos na média não dava download de nenhum aplicativo novo! Ficou praticamente impossível para uma nova empresa de aplicativo vencer no mercado.

Essa história explica muito a postura do CEO do Facebook em relação ao metaverso, que foi tema de um artigo aqui no bsb. Identificar uma mudança de plataforma e se posicionar é parte chave do trabalho de Zuckerberg. No caso do Metaverso, além de gastar uma montanha de recursos financeiros, ele até fez uma mudança simbólica, mudando o nome da empresa para Meta.

E o que o Facebook está fazendo em relação a IA? Muita coisa, sendo a principal dela a criação de um modelo de IAG, chamado LLaMA, que será Open Source. Isso quer dizer que diferente da OpenAI, que cria modelos e cobra pelo uso, o Facebook está disposto a financiar e depois oferecer um modelo de graça, na expectativa que os usuários se mantenham em seu ecossistema.

O aprendizado que fica é: mudanças de plataformas computacionais precisam estar no topo da agenda dos CEOs.

Cadeia de Valor da IAG

Em Stanford usamos uma metodologia diferente das 5 forças de Porter para analisar indústrias. Pensamos mais em termos de Criação e Captura de Valor. Não necessariamente a empresa que cria mais valor é a que mais captura. Um negócio saudável é aquele que cria muito mais valor do que captura e ainda assim consegue ter altos retornos sobre capital investido por longos períodos de tempo. Em IAG, a captura de valor ainda não está clara.

Fonte: a16z

 

De uma forma simplificada, temos três componentes da cadeia de valor de IAG:

Infraestrutura

Aqui estão empresas como Nvidia, que fornece os chips GPUs em que os modelos de IAG rodam. Também estão os serviços de computação em nuvem, como Amazon Web Services, Microsoft Azure e Google Cloud. Poderia até mesmo incluir a TSMC, que fabrica os principais GPUs do mundo. IAG precisa de computação intensiva, de forma que parte relevante dos recursos financeiros são gastos com estes provedores de serviço.

As empresas de nuvem não são extrativistas. As três maiores, listadas acima, gastam mais de $100bi ao ano em capex para garantir a mais completa, confiável e competitiva plataforma de serviços. Nuvem é um setor difícil de surgir uma nova startup. No entanto, empresas como a Oracle vem fazendo grandes investimentos no setor e algumas startups estão oferecendo soluções muito especifícas para IAG, caso da Lambda Labs.

Atualmente a Infraestrutura é o segmento queridinho do mercado. É lucrativa, durável, defensável e disponível no mercado público. No entanto, existem várias perguntas, sendo a principal delas o quanto do “hype” de IA já foi precificado no valor destas empresas. Também existem dúvidas sobre comoditização no caso dos players de nuvem.

Modelos

As empresas de modelos são as criadoras da Inteligência Artificial Generativa. OpenAI e Google são dois exemplos. Através de brilhantes avanços em múltiplas frentes, elas criaram os modelos de texto e imagem que nos deixam de queixo caído. Não seria aqui o lugar óbvio para a captura de valor? A resposta dessa pergunta não é óbvia.

No artigo sobre a OpenAI discutimos sobre isso. Existe uma corrente de pensamento que acredita que pelo fato que (i) A teoria por trás dos modelos de IAG é conhecida; ii) Os dados que os modelos utilizam está disponível na Internet e (iii) A qualidade de processamento computacional é semelhante, que a qualidade dos diferentes modelos deveria convergir. Muitas pessoas oferecendo produtos semelhantes poderiam levar a comoditização.

Segundo, de forma prática, a maioria das empresas de modelos não possuem grandes receitas. É verdade que a maioria delas não está ativamente monetizando os seus serviços, mas é um ponto de interrogação.

Terceiro, modelos Open Source, como o que o Facebook está desenvolvendo, podem criar uma competição muito difícil. Em geral o Open Source vence.

Por fim, as aplicações que se utilizam dos modelos de terceiros podem querer desenvolver seus próprios modelos, verticalizando sua oferta.

Estamos apenas especulando. A OpenAI tem o potencial de se tornar um grande negócio, ganhando uma parte relevante da receita da indústria, especialmente se as integrações com os produtos da Microsoft der certo.

Aplicativos

Os aplicativos integram modelos de IAG em um produto para o usuário. A primeira geração de aplicações está começando a ter escala, mas tem enfrentado desafios, como retenção e diferenciação.

Um dos pontos que mais assusta investidores é que não está claro que tipo de margem estes negócios possuem.

Na Internet, as maiores empresas são de aplicações. O Google, Amazon, Netflix e Facebook são alguns exemplos. Não existe uma empresa trilionária chamada “Internet Ltda” que é dona da infraestrutura da Internet. Existe uma teoria, especialmente entre investidores de blockchains, que nas próximas plataformas computacionais, as empresas criadoras da infraestrutura e protocolos nos quais os aplicativos rodam (sabendo do que aconteceu na Internet), vão encontrar formas de capturar a maior parte do valor. É a tese do “Protocolo Gordo” do Joel Monegro, ex-USV e atualmente sócio da Placeholder Ventures.

Fonte: USV, Joel Monegro

Se criar um aplicativo em IAG é fácil, afinal em alguns casos não é preciso nem saber programar, isso quer dizer que muitas pessoas vão criar aplicativos, aumentando a competição e potencialmente diminuindo os retornos.

Alguns aplicativos podem vir a se verticalizar. Outros estarão confortáveis em serem apenas features e Micro-SaaS. O futuro ainda está aberto para aplicações de IAG.

De forma geral, não existem barreiras de entrada diferenciadas em IAG. Aplicações, Modelos e Infraestrutura possuem fortalezas e fraquezas. O que existem são algumas das barreiras tradicionais: escala, ecossistema, produto, distribuição e dados. O problema é que nenhuma delas parece ser forte o bastante no longo prazo.

No entanto, existe um ponto importante. IAG toca quase todos os softwares e atividades humanas. O mercado potencial é gigante. Sendo assim, vamos analisar alguns mercados que IAG pode impactar já no curto prazo.

Setores prontos para IAG

1) Busca

Um mercado de mais de $200bi, liderado pelo Google, a experiência de busca se manteve relativamente estática nos últimos 15 anos. Com IAG é possível transformar a busca em ação. Os plugins da OpenAI, que cobirmos no último artigo, permitem que usuários façam uma busca por algo como um restaurante ou hotel e façam o agendamento diretamente via a plataforma.

2) Educação

Hoje é impraticável que cada aluno tenha um tutor particular. No entanto, cada pessoa tem um ritmo de aprendizado diferente. Com IAG poderemos ter um professor particular no bolso de cada aluno, disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana e com paciência infinita.

3) Terapia & Coaching

Existe um consistente aumento do sentimento de solidão entre os jovens. Com o surgimento de IAG, apareceram relatos de pessoas de diversas idades que encontraram nos modelos uma companhia para poderem conversar.

Imagine ter terapeutas, nutricionistas, treinadores e mentores disponíveis para diversos propósitos. “Isso quer dizer que a carreira de terapeuta vai acabar?”. Eu não acredito nisso, mas sim que existirá uma democratização deste importante serviço, que novos tipos de tratamentos vão surgir e os profissionais humanos continuarão sendo relevantes.

Também temos que pensar não apenas em termos de substituição, mas adição. Imagine uma pessoa humilde que nunca trabalhou ou teve um membro da família trabalhando em um escritório. Ela poderá usar uma IAG como “personal shopper” e stylist para ajudar a aprender como se vestir, a dar um nó numa gravata (algo que eu apanho até hoje) dentre outras atividades.

4) Criação

A democratização da capacidade de transformar as nossas imaginações em realidade é o uso que mais me anima em IAG. Desenhar, escrever e cantar, quantas atividades criativas ficam restritas àquelas pessoas que receberam treinamento? Se conseguirmos nos comunicar melhor, seja com qualquer mídia, temos a chance de nos relacionarmos melhor.

5) Empoderando Pequenos Negócios

Meus pais tem um pequeno negócio. Um dos grandes desafios é que “falta braço” para diversas atividades. IAG pode ajudar em múltiplas frentes, deixa eu dar alguns exemplos reais, mas focados no mercado americano:

  1. Sameday: startup com serviços de atendimento de telefone e recados

  2. Truelark: responde mensagens, emails e chats

  3. Osome: faz o gerenciamento de back offices

  4. Durable: pode criar um site profissional em segundos

Modelos de Negócio

Software-as-a-Service é um excelente modelo de negócios. Sua previsibilidade, aliada a altas margens, às vezes acima de 80%, garantem às empresas caixa e flexibilidade. A sua receita já nasce contratada no início do ano e o crescimento vai se empilhando a receita dos clientes de anos anteriores. Eu acredito que as melhores startups de IAG serão empresas de SaaS. O modelo funciona. Também acredito que modelos como freemium + compras dentro dos aplicativos estarão presentes em produtos mais focados aos consumidores.

As Ondas de Empresas

Uma diferença de IA em comparação com outras plataformas computacionais é que esta apareceu e se tornou um consenso imediato. Ceticismo zero (para o bem ou para o mal). Quando o iPhone foi lançado em 2007, demorou anos até que as empresas entendessem que este seria o principal computador dos consumidores. No entanto, de forma geral existem três ondas de empresas construídas numa nova plataforma:

  1. Rápidas: empresas que vendem o benefício de IAG e buscam resolver problemas que são consensos. Estas empresas são rápidas em pegar uma nova plataforma e criar interfaces para os usuários. Elas podem se tornar grandes empresas através de velocidade de venda, conhecendo seus consumidores e oferecendo bons serviços. A Jasper é um bom exemplo. A empresa oferece uma solução de IAG para criação de textos para marketing. Sua solução foi construída em cima dos modelos da OpenAI. A empresa tem sido muito bem sucedida em vendas e marketing e ganhou uma liderança nesse mercado.

  2. Incorporadoras: empresas que incorporam a tecnologia em suas soluções, mas não vendem seus produtos como “soluções de IAG”. A IA Generativa nesse caso é usada para resolver um problema normal de negócios. É simplesmente uma melhor oferta do que existe atualmente.

  3. Visionárias: a terceira (e mais interessante) onda é das empresas que utilizam a tecnologia para criar algo que as pessoas ainda não imaginam. Voltando ao exemplo do smartphone, quando você pegou um celular na mão pela primeira vez, dificilmente você pensou “uau, isso aqui vai mudar a indústria de taxis”. A verdade é que ninguém pensou nisso em 2007. Demorou anos até que o Uber, que atualmente tem valor de mercado de $88bi, fosse fundado, em 2011. As empresas visionárias tentam reinventar um setor do zero.

Eu pessoalmente estou começando a investir em algumas oportunidades de IA. A maioria se encaixa na categoria de empresas rápidas, mas são uma ótima forma de me preparar para as próximas ondas 😉

Grande abraço,

Edu

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