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Olá, pessoal! Existem tecnologias que especialistas preveem que vão chegar num futuro próximo. O problema é que esse futuro nunca chega. Um exemplo são carros autônomos. A ideia de veículos capazes de substituir motoristas, liberando-os para outras atividades, é um desafio que a indústria automotiva vem tentando resolver há décadas.

No artigo de hoje, vamos explorar o estágio atual de desenvolvimento dos carros autônomos, com ênfase no FSD 12, o mais recente sistema de condução autônoma da Tesla. Este avanço introduz uma abordagem inovadora à Inteligência Artificial, baseando-se em uma arquitetura avançada de redes neurais. Apesar de ter sido lançado há menos de dois meses, o sistema já demonstra resultados promissores e sinaliza um caminho viável para a completa autonomia veicular.

Se tiver apenas um minuto, segue o resumo:


  • Existem seis níveis de autonomia para um automóvel. Atualmente nenhum modelo chegou no nível 5, o mais alto, de automação completa

  • A Tesla usava uma lógica linear para seus onze primeiros modelos de software para carros autônomos. No modelo 12, ela mudou completamente a abordagem para o problema, adotando uma Rede Neural

  • Criar um modelo de carro autônomo usando Redes Neurais só tornou-se possível nos últimos anos. Era preciso de uma frota grande o bastante, com capacidade de obter dados, banda larga de alta velocidade, chips capazes de processar os modelos e inteligência para tratamento de dados

  • Em um mundo que avança em direção à automação, a Tesla se posiciona na corrida para liderar o segmento de carros autônomos.


O que é um Carro Autônomo?

Um carro autônomo é definido como um veículo dotado de tecnologia capaz de perceber as condições ao seu redor, tais como tráfego, pedestres e obstáculos, permitindo-lhe ajustar sua rota e velocidade sem a necessidade de intervenção humana.

A Sociedade de Engenheiros Automotivos (SAE) desenvolveu um framework para classificar os níveis de automação veicular. Essa classificação vai desde o controle integral por um motorista humano até um veículo que pode operar de forma totalmente independente, sem ninguém a bordo. Sob essa perspectiva, apenas um veículo que opera sem a necessidade de um motorista pode ser considerado completamente autônomo.

Este framework divide a tecnologia em seis níveis. Nos três primeiros níveis (0, 1 e 2), o motorista está no controle do veículo, mas conta com o auxílio de vários sistemas de segurança, como câmeras, alertas de colisão e freios de emergência. Nos níveis 3 e 4, o carro opera de forma autônoma em certas situações, embora o motorista possa ser solicitado a assumir o controle. No nível 5, o veículo opera de forma totalmente autônoma, sem necessidade de intervenção humana em qualquer momento.

A questão crucial é: em que estágio da automação nos encontramos atualmente? A resposta varia. A maioria dos carros encontra-se no nível 0, enquanto alguns modelos alcançaram o nível 1. Os veículos da Tesla equipados com o software FSD 12 situam-se no nível 2. Existem alguns modelos que atingiram o nível 3, como o Audi A8L, o primeiro carro a alcançar esse patamar. No nível 4, há muito poucos modelos, sendo o Mercedes-Benz S-Class um exemplo. Contudo, os veículos dos níveis 3 e 4 enfrentam a limitação de não conseguirem operar constantemente nesses níveis de automação.

A Busca pela Autonomia

A história dos carros autônomos representa a continuação da busca por um futuro onde as estradas sejam mais seguras e o transporte, mais acessível. Anualmente, cerca de 1,3 milhão de pessoas perdem a vida em acidentes de trânsito ao redor do mundo, sendo está a principal causa de morte para indivíduos entre 5 e 29 anos.

Embora o conceito tenha sido longamente idealizado pela indústria, a verdadeira jornada científica em direção aos veículos autônomos teve início nas décadas de 1950 e 1960, período em que pesquisadores começaram a explorar maneiras de automatizar a condução por meio da tecnologia. Com o advento das décadas de 1980 e 1990, os avanços em tecnologia de computadores e sensores tornaram o sonho dos carros autônomos mais palpável.

O assunto passou a ser levado mais a sério em 9 de outubro 2010, quando o Google anunciou que havia “ desenvolvido tecnologia para carros que podem dirigir sozinhos. … Embora este projeto esteja muito no estágio experimental, ele oferece um vislumbre de como o transporte pode parecer no futuro graças à ciência da computação avançada. E esse futuro é muito emocionante.” Esse projeto evoluiu até tornar-se uma empresa independente em 2016, chamada Waymo.

Carro da Waymo

 

Tesla

Vocês já estão familiarizados com minha admiração pela Tesla, tema de um artigo que escrevi no ano passado. Esta empresa se distingue no setor automotivo por operar com a agilidade de uma startup de tecnologia, apesar de contar com mais de 100.000 funcionários. Desde o início, Elon Musk alimentava o sonho de desenvolver carros autônomos, uma visão que foi integrada ao sistema operacional dos veículos da Tesla, permitindo atualizações contínuas.

Em 2014, a Tesla introduziu a ideia de um sistema de direção autônoma avançado com o lançamento do Autopilot. Esse sistema disponibilizava funcionalidades como o controle de velocidade adaptativo e assistência de manutenção de faixa. Em 2016, a empresa avançou ainda mais ao anunciar o pacote Full Self-Driving (FSD), prometendo a capacidade de condução de ponto a ponto sem intervenção humana. Esse pacote foi oferecido como uma opção adicional, com a promessa de ampliar suas capacidades por meio de atualizações de software.

O FSD foi lançado no melhor estilo Elon Musk: o nome era grandioso, as ambições também. As ambições não foram cumpridas no prazo prometido, mas o produto lançado era um dos melhores do mercado.

Musk previu, em 2017, que a Tesla teria um carro totalmente autônomo em breve. Em 2019, ele renovou suas previsões, afirmando que, até o final de 2020, a empresa teria um milhão de robô-taxis nas ruas. No entanto, essas previsões não se materializaram. Apesar disso, o software continuou a evoluir. A cada nova versão, a Tesla aprimorava a precisão, segurança e confiabilidade do sistema. Foram lançadas 11 versões do Full Self-Driving (FSD).

Foi então que a empresa fez uma auto reflexão. Apesar dos avanços, o produto evoluía devagar. Os clientes não amavam. Era preciso de uma nova abordagem.

Um problema muito difícil

Existe uma piada entre engenheiros que sugere que quando alguém afirma que um projeto está 99% completo, na realidade, ainda falta 50% do trabalho. Isso porque o 1% restante abrange os aspectos mais complexos do projeto, que podem demandar tanto tempo quanto todo o progresso anterior. Essa observação se aplica especialmente ao desenvolvimento de carros autônomos.

Desenvolver uma solução que permita a um carro autônomo navegar por uma estrada vazia não representa um grande desafio. O verdadeiro teste está em programar o veículo para lidar com situações de fronteira, ou seja, cenários raros e imprevisíveis. São nessas condições de fronteira que os acidentes tendem a ocorrer, destacando a complexidade e os desafios associados à automação veicular completa.

Isso quer dizer que para criar carros 100% autônomos, o que é mais difícil, é o mais importante.

Além disso, existe um ceticismo por parte da população em relação a entrar em um carro autônomo preparado para lidar com apenas 95% das situações. Muitas pessoas preferem assumir o controle do volante a confiar em um veículo que só consegue reagir a 95% dos cenários, mesmo que, estatisticamente, esse carro autônomo seja mais seguro do que um motorista mediano.

A abordagem inicial da Tesla na construção de seu software de carro autônomo tentava programar uma resposta para cada cenário possível. Ela uma solução de “força bruta”. Essa estratégia, apesar de extensiva, não é particularmente elegante e tem dificuldades em abranger todas as possibilidades imagináveis. Na verdade, essa era a abordagem adotada por quase todas as empresas no setor, resultando em uma evolução que frustrava tanto a opinião pública quanto os consumidores. A manchete de uma reportagem da Bloomberg em 2022 resumiu bem a situação: “Mesmo após investirem US$ 100 bilhões, os carros autônomos ainda não estão chegando a lugar algum”.

A Navalha de Ockham

Existe um princípio lógico conhecido por afirmar que a melhor solução é aquela que apresenta o menor número de premissas possíveis. Em outras palavras, entre várias alternativas para explicar um fenômeno, a mais simples tende a ser a mais provável. Esse princípio é conhecido como a Navalha de Ockham. Foi baseando-se neste princípio que a Tesla promoveu uma mudança significativa na direção do seu programa de carros autônomos.

Uma Nova Abordagem

O sistema de direção autônoma da Tesla foi construído usando uma lógica linear. Isso quer dizer que cada situação é uma linha de código. Se você pudesse ver a programação, seria algo assim:

  • Se o sinal esta vermelho, pare

  • Se o sinal está verde, ande

  • Se o sinal está verde, mas existe um objeto à frente parado, pare

  • Se o sinal está verde e o objeto começa a andar, ande

  • E assim por diante

O último modelo, o FSD 11, tinha mais de 300 mil linhas de código com instruções como esta.

A próxima geração, o FSD 12, seria desenvolvida de uma maneira completamente diferente. Em vez de seguir uma lógica linear, esse novo modelo adotaria uma abordagem de ponta a ponta, utilizando uma lógica de imitação.

A Tesla desenvolveu uma Rede Neural, que consiste em computadores organizados de forma similar ao cérebro dos mamíferos. As Redes Neurais são o mesmo tipo de arranjo computacional usado por empresas como a OpenAI para criar modelos como o ChatGPT. A ideia subjacente é que nosso cérebro não possui um único centro de processamento, mas sim bilhões de neurônios que se conectam e compartilham informações. O cérebro humano funciona como uma rede de neurônios, representando o exemplo mais avançado de computador existente. Portanto, concluiu-se que os computadores deveriam ser organizados de maneira similar. Apesar de parecer simples, essa conclusão é o resultado de décadas de pesquisa em Inteligência Artificial.

Exemplo de uma Rede Neural

 

Em vez de programar centenas de milhares de linhas de código, a Tesla planejou alimentar sua rede neural com vídeos de seus melhores motoristas, permitindo que o modelo aprendesse por imitação. Os dados de entrada seriam esses vídeos. Ao processá-los, o modelo ajustaria suas reações a cada situação específica.

Parece simples? Bom, não é. Nem um pouco.

Primeiramente, devemos reconhecer a coragem da Tesla em descartar quase uma década de pesquisa sobre um tema e, essencialmente, começar do zero. Em segundo lugar, é importante compreender que somente agora conseguimos construir um modelo de carro autônomo utilizando essa abordagem inovadora.

Timing é Tudo

Nos últimos anos, diversas peças se encaixaram, possibilitando a tentativa de criar um software para carros autônomos através de uma abordagem baseada em Rede Neural.

Primeiro, a Tesla obteve permissão de um milhão de seus motoristas para gravar suas viagens. Foi somente nos últimos anos que a empresa conseguiu alcançar essa escala de veículos equipados com câmeras. Uma frota dessa magnitude é capaz de gerar uma quantidade de dados suficiente para treinar um modelo de rede neural com tal nível de complexidade.

Segundo, os vídeos capturados por cinco câmeras em cada um desses milhões de carros são enviados à Tesla todas as noites, resultando em um volume imenso de dados. Essa transferência de dados só se tornou viável com a disponibilidade atual de banda larga de alta velocidade (pelo menos nos Estados Unidos), algo impensável há dez anos.

Terceiro, o processamento desses modelos exige chips de altíssima potência, que só foram desenvolvidos recentemente pela NVIDIA. Trata-se de um exemplo clássico de uma teoria que não podia ser posta em prática até que a tecnologia necessária se tornasse disponível.

Por fim, a Tesla demonstra uma excepcional habilidade em engenharia de dados. De tudo o que é filmado, apenas 1% é enviado de volta à empresa. Isso é possível graças ao uso de compressão de vídeo, filtros e redes neurais nos próprios carros, selecionando apenas as informações que são úteis. Por exemplo, vídeos de situações em que o carro freia subitamente são valiosos para o modelo, enquanto imagens de um carro trafegando por uma estrada vazia a uma velocidade constante não são e, portanto, não são enviadas.

A abordagem da Rede Neural apresenta-se como uma solução elegante e simples. Na minha opinião, é uma metodologia superior àquelas adotadas por outras empresas no ao tentar resolver desafio.

Por exemplo, um dos problemas resolvidos por essa abordagem é a questão ética. Durante meu MBA, analisei um estudo de caso sobre como os desenvolvedores de carros autônomos deveriam programar um veículo para a seguinte situação: “Se o carro permanecer parado, duas mulheres idosas morrem, mas se ele se mover, um jovem morre”. A decisão envolve um dilema moral. Ao programar uma resposta específica, a Tesla estaria assumindo um papel divino. No entanto, ao adotar a abordagem de Rede Neural por meio do treinamento por imitação, a empresa evita ter que programar essa decisão diretamente. O modelo tende a convergir para a ação que os melhores motoristas tomariam, apoiando-se na “sabedoria da maioria”, um conceito muito similar ao da democracia em que vivemos. Isso é genial!

Do ponto de vista da coleta de dados, os carros da Tesla que utilizam o FSD 12 empregam três principais “olhos” eletrônicos: radar, câmeras e LiDAR, que é a detecção e medição por luz. Esses são os dados de entrada. Eles são processados pelo modelo de Rede Neural, que está em constante aprimoramento. As instruções geradas pelo software, como frenagem, direção e aceleração, representam as saídas do sistema.

Com o lançamento do FSD 12, a Tesla começou a receber feedbacks extremamente positivos dos usuários. Alguns descreveram a experiência de ser conduzidos pelo sistema como tão impressionante quanto a primeira vez que usaram o ChatGPT.

Carros autônomos são bons para o mundo

Os carros autônomos trazem múltiplos impactos positivos para o mundo, incluindo a redução de acidentes, menos veículos nas ruas, aprimoramento da logística, diminuição da poluição, aumento da comodidade, maior democratização do transporte e redução de multas.

No entanto, um dos principais aspectos negativos é o potencial desemprego que essa tecnologia poderia causar. Creio que, em várias categorias, como no setor de caminhões, a adoção do transporte autônomo ocorrerá em um momento oportuno. Cada vez menos pessoas estão dispostas a se tornar caminhoneiros, uma tendência que preocupa as empresas do setor e o governo.

A Tesla vai ganhar a corrida pelo carro autônomo

Vários leitores me cobram que o bsb é bom para analises sobre o passado e presente, mas apenas ofereça pistas sobre o futuro. Diante disso, segue uma previsão: eu acredito que a Tesla será a primeira companhia a dominar a tecnologia de carros autônomos e que ela fará isso até o final da década. Ela fará isso pois a abordagem de Redes Neurais é o caminho a seguir e apenas ela possui a capacidade de executá-la.

Ela é a empresa com a maior frota capaz de coletar dados. Vamos pensar. Quanto custaria para o Uber construir um equipamento de 5 câmeras e colocar em cima de carros? A resposta: muito. Ela está anos a frente da competição. O fato de ter “o melhor modelo”, somado com uma marca que representa alta tecnologia, traz a confiança final que os consumidores precisam.

Em um mundo que avança em direção à automação, a Tesla se posiciona na corrida para liderar o segmento de carros autônomos.

Grande abraço,

Edu

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